sábado, 24 de março de 2012

Resenha 4: "Os Muppets", de James Bobin

Jason Segel, Amy Adams, Kermit, Rowlf, Janice, Scooter, Animal, Miss Poogy, Sgto. Floyd Pepper, Gonzo, Cozinheiro Sueco, Sam a Águia, Lew Zealand, Urso Fozzie, Dr. Teeth, Dr. Bunsen e Walter em Os Muppets. © Disney.
The Muppets, EUA, 2011. Comédia/Família/Musical. 103 minutos. Direção: James Bobin. Escrito por: Jason Segel e Nicholas Stoller. Elenco: Jason Segel, Amy Adams, Peter Linz, Chris Cooper, Rashida Jones, Steve Whitmire, Eric Jacobson, Dave Goelz, Bill Barretta, Jack Black. Classificação indicativa: Livre.

Eu estava muito ansioso para que Os Muppets saísse em DVD, por vários motivos. Primeiro, a crítica amou o filme, que teve uma pontuação de 96% no agregador de críticas Rotten Tomatoes, tornando-o o segundo maior sucesso de crítica do circuito comercial em 2011. Segundo, eu nunca tinha tido contato com os Muppets antes (exceto pelo vídeo de Mahna Mahna no Youtube), e todo mundo ama os Muppets, e eu queria muito saber por quê. Terceiro, é um musical, e eu sou uma daquelas pessoas estranhas que gostam de musicais. Por isso tudo, eu fui atrás para assistir assim que o filme passou a constar como um item disponível nas lojas, e não me decepcionei. Trata-se, possivelmente, do melhor filme família do ano que passou.

O filme já abre em grande estilo: um divertido número musical na cidadezinha fictícia de Smalltown, na qual moram Gary (Jason Segel) e seu irmão, o homem-muppet Walter (voz de Peter Linz). Gary é superfã dos Muppets e está animado com uma viagem iminente para Los Angeles com o irmão e a cunhada Mary (Amy Adams), na qual pretende visitar o estúdio deles. Lá, uma decepção: o lugar está caindo aos pedaços, os Muppets não se encontram mais e conta-se nos dedos o número de visitantes. No lugar errado e na hora errada, Walter acaba testemunhando Statler e Waldorf (os dois velhinhos que falam mal de todo mundo) vendendo o teatro dos Muppets para o magnata do petróleo Tex Richman (Chris Cooper), que, uma vez sozinho com seus capangas Bobo o Urso e Tio Deadly (também Muppets!), revela que pretende derrubar tudo para extrair petróleo. Há uma brecha no contrato, claro: se os Muppets conseguirem 10 milhões de dólares antes do prazo de duas semanas se encerrar, o teatro é deles novamente. Desesperado, Walter insiste em ir atrás de Kermit, o Sapo (conhecido no Brasil como Caco) e eles acabam resolvendo reunir todos os Muppets novamente para fazer um teleton e tentar arrecadar os 10 milhões.

No processo, fica evidente que o filme possui muitas das características que tornaram os Muppets tão populares: com a ajuda do hilário mordomo de Kermit, o "Robô dos Anos 80", eles vão atrás de todos os Muppets, um por um, a começar pelo Urso Fozzie, que está trabalhando como vocalista em uma banda cover dos Muppets, os "Moopets". Todos os antigos membros do The Muppet Show viraram a página; no entanto, a nostalgia coletiva e o apreço que têm pelo antigo teatro (e pelo que ele significou na vida deles, conclui-se) faz com que, ao final de uma montagem lotada de referências ao passado dos personagens, todos estejam dentro do mesmo carro, indo para Paris ("por mapa", em uma das várias piadas difíceis de explicar que povoam o roteiro hilário) para tentar persuadir a fogosa Miss Piggy, agora editora plus-size da Vogue parisiense, a juntar-se a eles. Ela se recusa; está com a vida feita, prometeu a si mesma não olhar pra trás e ainda não perdoou o ex, Kermit, por alguma coisa que não fica clara (pelo que dá pra entender, ele pulou fora do noivado anos antes). Não seja por isso: entra, no lugar dela, Miss Poggy, sua versão "Moopet" masculinizada. Os Muppets seguem em frente com a ideia, e, após uma série de "nãos" das principais emissoras americanas — ninguém mais liga para os Muppets, diz a executiva interpretada por Rashida Jones —, acabam conseguindo um espaço na programação da ficcional CDE, graças ao cancelamento inesperado do popular programa Punch Teacher ou "Esmurre o Professor" (apenas uma das alfinetadas presentes no filme, desta vez à alienação dessa geração). Sob uma condição: deverá haver uma participação especial.

Com o conflito estabelecido, o filme passa a ser aquilo que deveria ser: só risos. Tudo aquilo que se espera de um bom filme dos Muppets está lá: as incontáveis e engraçadíssimas participações especiais — Emily Blunt, Mickey Rooney, Sarah Silverman, Zach Galifianakis, Alan Arkin, Kristen Schaal, Neil Patrick Harris, Whoopi Goldberg, Selena Gomez, Jim Parsons e Ken Jeong, só pra citar algumas —; as ótimas canções, de autoria de Bret McKenzie, co-protagonista e co-criador da série Flight of the Conchords; revitalizações de canções clássicas como Rainbow Connection e Mahna Mahna; auto-referências espirituosas (atores convidados mais jovens não sabem quem são os Muppets) e doses cavalares — e muito bem-vindas — de meta-humor (para quem não sabe, é quando um personagem diz, por exemplo, "Nossa! Essa explosão estava no orçamento do filme?"). Há até uma divertida aparição de Jack Black no papel dele mesmo, sequestrado e forçado a ser a "participação especial" do show. É interessante, também, notar o quanto o filme se esforça em ser offbeat; diferentemente de outros do gênero, aqui os personagens reconhecem que acabaram de participar de números musicais.

Risadas à parte, porém, o grande mérito de Os Muppets consiste em o filme não se deixar tornar-se entretenimento fácil, como é de praxe nas comédias e nos filmes família hoje em dia. Os personagens são tridimensionais, têm conflitos — conflitos superficiais, vá lá, mas quem esperava algo diferente de um filme dos Muppets? — e nos identificamos com eles, até certo ponto: Mary está triste por Gary ainda não a ter pedido em casamento após dez anos (!) de namoro; tanto Gary como Walter, em dado momento, têm crises de identidade e ficam sem saber se são homens ou muppets (a canção na qual esse conflito existencial é resolvido ganhou o Oscar, o único do filme e o único até hoje ganhado por um filme dos Muppets); os capangas do vilão Tex Richman são também Muppets e ficam na dúvida sobre trair seus iguais, e por aí vai. Em suma: é um bom filme, mesmo alheio às referências nostálgicas e bem-humoradas que deliciarão fãs de longa data. O elenco é afinado e as participações especiais o complementam soberbamente. O fluxo é ótimo, com risadas ininterruptas. Há uma boa mensagem (embora tenha sido tachada de comunista) para as crianças mais novas. Somando a isso tudo o fato de estarmos lidando com os MUPPETS, é impossível não gostar do filme. Parabéns ao ator/roteirista/fã Segel, que tomou a iniciativa de fazer um filme com os personagens de Jim Henson após eles passarem mais de uma década longe da tela grande. Graças a essa inciativa, pode-se agora afirmar com segurança: os Muppets estão de volta.


Classificação final:
Oscar: Melhor Canção Original, "Man or Muppet"

sexta-feira, 23 de março de 2012

Resenha 3: "50%", de Jonathan Levine

Joseph Gordon-Levitt e Anna Kendrick em 50%. © Summit Entertainment.
50/50, EUA, 2011. Dramédia. 100 minutos. Direção: Jonathan Levine. Escrito por: Will Reiser. Elenco: Joseph Gordon-Levitt, Seth Rogen, Anna Kendrick, Anjelica Huston, Bryce Dallas Howard, Matt Frewer, Philip Baker Hall, Serge Houde. Classificação indicativa: 14 anos.

Muitos o consideraram o indie do ano, e, embora tenha sido ignorado no Oscar e no Brasil só tenha sido lançado em DVD, 50% tem as credenciais. Baseado na própria história de vida do roteirista estreante Will Reiser e produzido pelo co-protagonista Seth Rogen, amigo dele na vida real, o filme é, em termos estéticos, tipicamente indie, com a trilha composta basicamente por canções, a fotografia fria e delicada, e a paisagem urbana invernal de Seattle como pano de fundo, e chamou atenção de todo mundo por alternar entre drama e comédia ininterruptamente.

Pra começar, o começo é muito indie: Joseph Gordon-Levitt corre de blusão ao lado de um rio em Seattle, chega em casa, toma um banho, conversa com a namorada Bryce Dallas Howard e entra no carro do melhor amigo Seth Rogen para ir trabalhar. Trata-se, no caso, de Adam Lerner, um jornalista bom-moço que não fuma, não bebe e tampouco sabe dirigir. Qual não é a sua surpresa, então, quando o médico lhe informa que ele tem um tumor maligno na coluna, e que vai precisar fazer quimioterapia. As reações dos mais próximos são ora engraçadas, ora densas, como o resto do filme vai ser: Kyle, o melhor amigo, solta um monte de palavrões (é Seth Rogen, afinal, fazendo o papel quase dele mesmo), a mãe superprotetora (Anjelica Huston), que já tem que cuidar do marido com Alzheimer, enfia na cabeça que tem que passar a morar com o filho para poder cuidar dele, e a namorada recusa a oferta generosa dele de terminar a relação e afirma, relutante, que consegue lidar com aquilo. Adam vai atrás e ficamos sabendo o significado do título — as chances de ele sobreviver são de 50%.

Fatores, lógico, vão começando a se ajuntar e a dar um fundo psicológico para o filme, fatores que a princípio parecem alívios cômicos só que mais pra frente contribuirão na degradação psicológica do protagonista, que tenta a todo custo manter a compostura em meio ao inferno que é o tratamento contra o câncer. Entram em cena uma terapeuta (Anna Kendrick) novata, jovem e inexperiente que não parece saber direito o que está fazendo ao tentar ajudar Adam a manter a cabeça no lugar, o que o torna ainda mais cético, e dois idosos que também passam por tratamento quimioterápico (os ótimos Matt Frewer e Philip Baker Hall) e dão a ele lições sobre a vida, o amor etc. nos intervalos das sessões. Além disso, o amigo Kyle providencia alívio cômico, tentando ajudar Adam a manter-se otimista e aproveitar a vida e ao mesmo tempo aproveitando-se da doença dele para arrumar uma namorada.

Em certo ponto no filme, tudo parece bem — Adam tem dois novos amigos pra desabafar, a relação com sua terapeuta estreita-se cada vez mais até mesmo fora do consultório, e ele insiste pra todo mundo que está superbem apesar do câncer. No entanto, um evento infeliz envolvendo a namorada dele desencadeia uma série de curvas, e ficha de Adam começa, finalmente, a cair. Os fatores que até então o ajudavam a manter a cabeça fria alteram-se tão radicalmente e de uma hora para a outra que ele perde a cabeça. De repente, a forma como todos insistem que tudo vai acabar bem o irrita; ele está certo de que vai morrer.

É nesse momento, final e definitivamente, que o filme vai de uma comédia com tons dramáticos para um drama — com tons cômicos, tudo bem —, mas essa transição é realizada com tanta delicadeza que o espectador, a essa altura, está imerso demais na história para notar. Delicadeza, sem dúvida, é um dos maiores méritos do filme, justamente por se tratar de um tema tão pesado. As melhores cenas são as mais delicadas — como aquela em que, em face da insistência de Adam em dizer que está bem, a terapeuta não sabe como proceder —; a trilha musical, do badalado compositor Michael Giacchino, um dos mais requisitados da atualidade no cinema, não adquire as nuances grandiosas de trabalhos anteriores dele como Up - Altas Aventuras e Lost, mas é sutil, ofuscada por canções; a direção de Jonathan Levine mostra-se fluida e intimista, potencializando o trabalho dos atores — e o elenco, talvez, é o que há de melhor no filme, das performances sutis porém vigorosas de veteranos como Anjelica Huston à eficiência dos mais jovens Bryce Dallas Howard, Seth Rogen (sem dúvida na melhor atuação cinematográfica de sua carreira) e Anna Kendrick, indicada ao Oscar faz alguns anos por Amor Sem Escalas.

Mas o ponto alto, obviamente, é o protagonista Joseph Gordon-Levitt. Apesar de fazer um personagem parecido com o que representou no também indie (e também ótimo) (500) Dias com Ela, ele se entrega tanto ao papel que torna profundamente interessante e identificável um personagem que, se interpretado por outro ator (como James McAvoy, que fora inicialmente escalado para fazer Adam mas declinou), poderia ficar meio sem-graça, dado seu bom-mocismo. Esse tem tudo pra ser o ano de Levitt, que, além de co-estrelar a ficção científica Looper com Bruce Willis, estará no drama biográfico Lincoln, dirigido por Steven Spielberg, na pele do filho do lendário presidente americano. Portanto, preste atenção nele. Se o seu histórico até aqui — além de 50% e (500) Dias com Ela, ele protagonizou os também aclamados O Vigia e A Origem — servir como referência, outros grandes papéis estão por vir para ele. E preste atenção também no roteirista Will Reiser, que aqui estreou da melhor forma possível: com uma dramédia humana, tocante e muitas vezes hilária que atesta sua habilidade notável em lidar com personagens.


Classificação final: