segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Resenha 12: "Toda Forma de Amor", de Mike Mills

Ewan McGregor, Mélanie Laurent e Cosmo em Toda Forma de Amor. © Focus Filmes.
Beginners, EUA, 2010. Romance/Dramédia. 105 minutos. Direção: Mike Mills. Escrito por: Mike Mills. Elenco: Ewan McGregor, Christopher Plummer, Mélanie Laurent, Goran Visnjic, Kai Lennox, Mary Page Keller, Keegan Boos, China Shavers, Cosmo. Classificação indicativa: 12 anos.

Toda Forma de Amor é uma gema. Não consigo pensar em um termo melhor para resumir a complexa simplicidade desse trabalho semibiográfico de Mike Mills, que lida com o amor em todas as suas formas com singeleza e originalidade estética ao mesmo tempo em que dá a seus atores um veículo e tanto para seus talentos — tanto é que o trabalho delicado de Christopher Plummer deu ao filme a sua única indicação (e vitória) no Oscar desse ano.

À época do seu lançamento unicamente em DVD no Brasil, Toda Forma de Amor era marquetado como um olhar sobre o "amor moderno", e, realmente, é difícil imaginar um filme mais apropriado, tanto estética quanto narrativamente, para o rótulo. Seguindo três momentos distintos da vida do protagonista Oliver — um, a sua infância nos anos 70, e os outros dois no passado recente —, a história narra o progresso do relacionamento entre ele e Anna, uma atriz francesa de passagem pela cidade onde ele mora, dois meses após a morte de seu pai Hal, e ainda se ocupa de recontar os últimos anos de vida deste ao lado do filho e também de seu jovem namorado — Hal é gay, mas só criou forças para sair do armário após a morte de sua esposa, e a essa altura ele já passava dos 70.

Não vale a pena dar mais detalhes sobre o enredo porque não há, exatamente, um enredo. Nós vemos Oliver e Anna descobrindo mais um sobre o outro em confissões lacrimosas sobre seus passados familiares, e assim se apaixonando; vemos Hal conseguindo convencer a todos de que está feliz apesar da descoberta de um câncer, enquanto Oliver observa desconfiado; vemos a mãe de Oliver tocando uma rotina que procura acrescer de felicidade para consolar o filho pela ausência de seu pai. Em todas essas tramas colineares, a dinâmica entre os personagens é assombrosa; em nenhum momento nós pensamos em nos lembrar de que aquelas pessoas não existem realmente. O relacionamento entre Oliver e Anna é por certo um dos mais verossímeis e orgânicos dos últimos anos no cinema, e isso se deve muito à química espetacular entre Ewan McGregor e Mélanie Laurent (mais sobre o elenco em cinco minutos).

E essa verossimilhança enriquece tematicamente Toda Forma de Amor, já que a proposta do filme é, primeiramente, retratar um relacionamento moderno e estudá-lo silenciosamente através de um panorama dos outros relacionamentos importantes da vida do protagonista. Dirigindo seu segundo roteiro de longa, Mills dá ao filme uma qualidade estética única (e eficiente para a história) ao usar fotos de arquivo e o voiceover de McGregor para estabelecer épocas e personagens. Ressaltando aspectos específicos de cada momento histórico de que fala — o presidente, a moda, a noção de beleza —, o filme traça um paralelo humano entre o presente e o passado, o que acrescenta mais um alicerce à ponte construída entre os diversos momentos da vida de Oliver. Quando se soma isso à astúcia e ao realismo da narrativa no seu belo painel dos amores do século 21, o resultado é uma produção verdadeiramente "moderna", tanto em sua temática quanto em sua abordagem.

Por trás dessa camada de chantily presente na fofura persistente (e bem-vinda) de seus protagonistas e do cãozinho Arthur ("interpretado" pelo jack russel Cosmo, que rivalizou com o Uggie de O Artista como cachorro-revelação de 2011), porém, esconde-se um profundo apuro psicológico por parte do realizador. O filme é, em segundo plano, um estudo de personagem de Oliver, e isso fica evidente na forma como as suas tramas são estruturadas — a narração sincera e nem um pouco expositória deste parece sugerir que ele enxerga o início do relacionamento com Anna com mais nostalgia e o falecimento do pai com relativa frieza, e é também acertada a decisão de não empregar o recurso durante as cenas de Oliver com a mãe, já que estas são momentos íntimos do protagonista, de que ele parece apenas se lembrar em segredo. O insight fornecido pelas "falas" de Arthur (vistas através de legendas) é providencial, mantendo-se condizente com a possível mentalidade de um cachorro e ao mesmo tempo servindo como espelho para os pensamentos do próprio Oliver (dizem, é bom lembrar, que você é o que o seu cachorro é).

O que me leva, é claro, ao elenco. Se o texto do filme explora com delicadeza e irretocável sinceridade os romances contemporâneos e seus desdobramentos, é preciso dar crédito aos atores por criarem personagens que surgem tão realistas a ponto de parecerem, de serem pessoas reais — é fácil acreditar, por exemplo, que Mary Page Keller e Keegan Boos são realmente mãe e filho, ou que Goran Visnjic está mesmo perdido de amores por Christopher Plummer. McGregor é confiável como sempre, expressando em seus olhares e expressões tudo aquilo que Oliver refreia em suas palavras, e o "apoio" de Laurent é formidável; sua atuação é tão rica e honesta que aparenta não ser, já que tudo o que vemos na tela é uma pessoa real e não uma atriz (OK, a personagem dela é uma atriz, mas você entende o que eu quero dizer). O elenco menor é competente, transmitindo a sensação de que o filme é povoado por pessoas sendo elas mesmas. Quanto a Plummer, só posso dizer que ele mereceu ter sido aplaudido de pé no Oscar.

O filme, na verdade, merecia mais indicações ao prêmio: o roteiro perspicaz de Mike Mills e a edição estilosa de Olivier Bugge Coutté eram também merecedores de atenção. Bem-sucedido no Oscar ou não, porém, Toda Forma de Amor merece ser visto. É um daqueles raros filmes em que a "suspensão da descrença" do espectador não é testada, não sendo sequer, na verdade, necessária: o grande mérito de Mills e seu elenco, aqui, é que tudo o que vemos na tela parece real em alguma medida. Até mesmo um cachorro falante.


Classificação final:
Oscar: Melhor Ator Coadjuvante (Christopher Plummer)

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