sábado, 17 de novembro de 2012

Resenha 11: "Um Homem Sério", de Joel e Ethan Coen

Michael Stuhlbarg e Sari Lennick em Um Homem Sério. © Focus Filmes.
A Serious Man, EUA, 2009. Dramédia. 106 minutos. Direção: Joel e Ethan Coen. Escrito por: Joel e Ethan Coen. Elenco: Michael Stuhlbarg, Richard Kind, Fred Melamed, Sari Lennick, Aaron Wolff, Jessica McManus, Peter Breitmayer, Amy Landecker, David Kang, Adam Arkin. Classificação indicativa: 16 anos.

(Ok, esse filme não era recomendado para menores de 16 anos. Eu aciono o Alerta de Semi-Ilicitude da Resenha ou A.S.I.R.)

Os irmãos Coen são parte de uma longa lista de auteurs contemporâneos cujos filmes ainda são quase inexplorados pelo que vos fala. O primeiro contato que tive com a obra dos dois foi, previsivelmente, com Bravura Indômita, ironicamente o filme mais "normal" deles segundo a crítica. O segundo foi com algumas cenas soltas de Queime Depois de Ler, e já aí era possível verificar a viés dos dois para o humor ácido e observacional. Agora, com este Um Homem Sério, lançado em 2010 no Brasil, eu provavelmente tive a primeira experiência genuinamente "coeniana" de, espero, várias outras. (Fargo e Arizona Nunca Mais já estão na minha watchlist.)

Um dos trabalhos mais pessoais dos Coen, me parece, esse filme tem seu primeiro — e talvez mais importante — mérito narrativo no fato de conseguir integrar a cultura judaica perfeitamente à história sem torná-la incompreensível para aqueles não familiares com ela. Até mesmo vocábulos hebraicos como dybbuk e get são completamente inteligíveis graças aos contextos criados. Além disso, o desajeito dos goyim (não-judeus) frente aos costumes e palavras do protagonista e seus correligionários é uma fonte confiável de humor durante toda a produção.

Na verdade, é admirável a forma como os diretores/roteiristas conseguem extrair comédia de uma situação tão desesperadora quanto aquela em que colocam Larry Gopnik, o titular homem sério: pressionado pela esposa/inquilina a realizar um divórcio cerimonial para que ela possa se casar com outro homem, o qual, apesar de responsável pela tragédia familiar, insiste em manter uma postura cordial e amigável com ele, o protagonista é forçado a aguentar ainda a inércia de seu irmão Arthur, que dorme no sofá da sala e passa todo o seu tempo trabalhando em um tal de "mapa da probabilidade do universo" que usa para jogar e fazer apostas; além disso, ele é informado de que um anônimo tem escrito cartas negativas a seu respeito para a diretoria da escola onde é professor, e um aluno lhe oferece uma grande soma em dinheiro para que altere uma nota baixa.

Empregando um ritmo deliberadamente lento que serve para mostrar a insatisfação crescente do protagonista com sua vida, os Coen usam o seu humor peculiar para acentuar a repetitividade asfixiante da rotina dos Gopnik, desde o tio que passa horas a fio no banheiro, sempre a anunciar que "vou sair em um minuto", à filha mais velha que não passa um dia sem explicar que pretende ir a uma casa noturna hoje à noite. Mas, se o humor, as cenas iniciais e a ótima recriação de época servem mais para situar os personagens do filme, o foco principal dos realizadores é mesmo a sua ambiciosa temática, que lida com o homem e a religião, a dúvida sobre a existência e as motivações de Deus, e a necessidade humana de respostas que nem sempre chegam. Transformando Larry num verdadeiro Jó ao longo do filme, e acompanhando a sua indignação crescente com os obstáculos que Hashem (a.k.a. Deus) põe em seu caminho enquanto ele tenta se manter "um homem sério" (e é impressionante a forma como Michael Stuhlbarg dá vida ao personagem, mantendo-o sempre verossímil, e não caricato, em sua angústia), o filme lança mão de antipatias sem justificativa, mortes repentinas e rabinos inúteis para convencer o espectador de que Larry está correto em seu desespero crescente, algo de que nós não duvidamos nem por um segundo. E diz muito a decepção de Larry por estar naquela situação, aparentemente, por não ter feito nada (algo que fica bastante explícito no diálogo entre ele e o representante de um tal Clube de Discos Columbian).

É curiosa, ainda, a decisão dos Coen de, a partir de certo momento, dividir o filme em três partes lineares correspondentes aos rabinos que Larry visita, já que cada uma dessas partes acaba funcionando como uma parábola em função do conjunto. (Na verdade, em dois momentos do filme, um deles logo nos minutos inciais, nós testemunhamos parábolas sem qualquer relação com o resto da história que aumentam a confusão do expectador para equipará-lo a Larry, e, paradoxalmente, reforçam a ideia central do filme de que algumas perguntas não podem ser respondidas, em uma metáfora metalinguística brilhante de que só me dei conta agora.)

A ambição temática de Um Homem Sério tem seu impacto sobre o espectador aumentado graças a competência narrativa do filme, que, além de contar com um elenco de atores pouco afamados que parecem ter nascido para os papéis — uma decisão louvável dos irmãos, já que eles poderiam conseguir as estrelas que quisessem para quaisquer de seus projetos —, é capaz de envolver o espectador emocionalmente graças à história paralela do desajeitado filho de Larry, que serve quase como um espelho da trajetória do protagonista — e pode-se até dizer que Danny e Sy, o novo futuro marido da mulher de Larry, servem como espécies de id e superego, respectivamente, para o ego do professor.

Trazendo, em seus minutos finais, uma conveniente contradição de ideias ao afirmar, em momentos distintos, que a religião pode ser uma tolice insalubre (vide a aflição de Danny em seu bar mitzvah) e que a justiça divina talvez paire realmente sobre nós ("talvez" porque o final, na verdade, é meio em aberto), Um Homem Sério é um pequeno grande filme, para todos os envolvidos e também para o público que lhe souber dar valor; uma produção que não se furta em propor discussões e questionar diversos valores da sociedade sem se preocupar muito em satisfazer as necessidades de compreensão do espectador. E, apenas por isso, é um filme que merece ser visto por qualquer pessoa que busque uma história instigante e provocadora de pensamento, ainda que nem tanto por aqueles que buscam apenas entretenimento fácil.


Classificação final:
Oscar: Indicado a Melhor Filme e Melhor Roteiro Original (Joel e Ethan Coen)

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