quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Eu acho que devo uma explicação (+ resenhas 5 a 9)

No acidentado princípio, este blog foi mais um ímpeto do que outra coisa. Considerava-o um exercício do meu senso crítico, que poderia ser colocado em prática se algum dia eu viesse a fazer filmes eu mesmo. Mas a vida atrapalhou a iniciativa e eu acabei entrando em um daqueles hiatos.

Hoje, felizmente, a vida parece ter dado um tempo, e como eu não tenho muita coisa melhor pra fazer, pretendo continuar a escrever resenhas para quaisquer filmes que eu assistir. Devido à grande lacuna entre a minha última resenha e o dia de hoje, os textos não mais se referirão a filmes que acabaram de ser lançados em DVD/BluRay ou no cinema, e sim a quaisquer lançamentos de quaisquer épocas (há uma infinidade de filmes dos últimos 14 anos me aguardando na prateleira, e eu pretendo ver pelo menos a maioria). Lançamentos, no geral, serão priorizados, mas não exclusivos.

Dito isso, me sinto na obrigação de redigir opiniões mais ou menos curtas sobre cinco dos seis filmes que eu assisti mais recentemente (o sexto ganhará um texto à parte). Eles são:

In the Loop, de Armando Ianucci (In the Loop, Inglaterra, 2009. Comédia.). Jamais conseguirei entender os critérios das distribuidoras daqui. Apesar de In the Loop ser, por cima, um filme difícil de entender para os brasileiros, é, no fundo, uma das produções inglesas mais universais lançadas nos últimos anos; na verdade, é acima de tudo um filme anti-guerra, sem dúvida um dos melhores já lançados sobre a Guerra do Iraque. E, apesar disso, não chegou sequer a ter um lançamento em DVD no Brasil. A história, que de tão crua e orgânica nem vale a pena ser resumida com muitos detalhes, é a de como uma série de erros e gafes públicas de secretários e generais dos governos dos EUA e da Inglaterra teriam levado ao início do conflito no Oriente Médio. Mas o espectro do filme vai em várias outras direções, chegando por vezes a assumir a dimensão de um atestado sofisticado do relacionamento entre o governo e o povo. Completamente verossímil tanto em seu roteiro (escrito por quatro pessoas a partir de um seriado cômico inglês da autoria do próprio diretor) quanto na abordagem de Ianucci, que consegue manter um ritmo incrivelmente vívido apesar do estilo "pseudo-documentário" que (corretamente) adota, In the Loop ainda tem o apoio de um grande elenco que contribui para torná-lo consistentemente hilário (Peter Capaldi rouba a cena por estar mais estourado, mas o trabalho difícil de atores como Tom Hollander é igualmente meritório e ambos mereciam indicações ao Oscar). É, por vezes, um filme assustador — e não porque escancara os horrores da guerra, mas porque nos dá uma ideia de quem são as autoridades por trás desses horrores.

Uma Vida Melhor, de Chris Weitz (A Better Life, EUA, 2011. Drama.). Lançado apenas em DVD no Brasil, este Uma Vida Melhor chamou alguma atenção no começo do ano pela indicação-surpresa do mexicano Demián Bichir ao Oscar de Melhor Ator (desbancando Leonardo DiCaprio em J. Edgar). Sexto trabalho diretorial de Chris Weitz, cujo currículo é um dos mais diversos que já vi, indo do primeiro American Pie a A Saga Crepúsculo: Lua Nova e passando por Um Grande Garoto e A Bússola de Ouro, esse relato da experiência de um imigrante ilegal e seu filho em Los Angeles é, certamente, um dos filmes mais maduros do cineasta — e, não obstante, uma produção esquecível. Pra falar do elefante na sala — a atuação de Bichir, obviamente —, não é difícil admitir que ele surpreende no papel, acabando por se revelar melhor do que o filme, que, apesar de resvalar em temas relevantes e fazer um retrato realista da vida dos imigrantes, não atinge a complexidade e as nuances que ressoam na performance contida de seu protagonista. A trama, para começar, sempre parece estar a serviço da proposta, o que diminui a força dos personagens e da própria mensagem do filme, além de tornar seu ritmo inconsistente. Os personagens secundários são apresentados de maneira confusa e desleixada, além de muitas vezes serem incapazes de ir além dos estereótipos (o melhor amigo do filho do principal é uma não-presença). E Weitz comete alguns tropeços inexplicáveis que expõem sua relativa inexperiência atrás das câmeras, como incluir um plano final completamente desnecessário dando um rápido vislumbre da vida de um personagem após seu destino. Apesar dessas falhas "técnicas", porém, o texto de Uma Vida Melhor consegue, na maior parte do tempo, ser humano e reverberante em sua exposição da realidade na qual seus personagens vivem — e assim o mérito das cenas mais instigantes (como aquela em que Luis pergunta ao pai "Por que todas essas pessoas pobres têm filhos?") vai quase todo para os roteiristas.

Meia-Noite em Paris, de Woody Allen (Midnight in Paris, EUA, 2011. Romance/Comédia/Fantasia.). É cada vez mais difícil encontrar filmes que proponham discussões ambiciosas sem recair em abordagens dramáticas ou até mesmo depressivas. A filmografia de Woody Allen tem a qualidade de entrar muitas vezes nessa categoria de filmes "leves, mas profundos", e Meia-Noite em Paris é um exemplo ótimo. Aproveitando a persona amigável do subestimado Owen Wilson como o Woody Allen da vez (no caso, Woody "Gil, o Roteirista" Allen), o filme consegue ser ao mesmo tempo um espelho crítico da sociedade e um tratado contra o cinismo. Allen está em grande forma atrás das câmeras, brincando com as expectativas do espectador sempre que pode e ressaltando através de sua direção arrojada tudo o que não é inteiramente expresso pelo excelente roteiro, pelo qual ele ganhou um Oscar (que não foi receber, em um ato costumeiro que sempre admirei nele). Além da ideia mais "clara" que o filme atesta — a de que viver no passado é besteira —, há ainda uma série de outras agulhadas dissolvidas na história aparentemente doce de um homem pacato e sonhador que tem a oportunidade insólita de visitar a Paris dos anos 20. O elenco ajuda — tanto Michael Sheen quanto Rachel McAdams estão admiravelmente detestáveis, e Corey Stoll rouba a cena em suas curtas aparições — assim como as belas locações e a fotografia aconchegante. E é maravilhoso ver um cineasta experiente como Allen em ação, amarrando as pontas da estrutura complexa do filme de forma absolutamente admirável no desfecho. Uma produção leve e adorável para qualquer idade — embora provavelmente chata para os muito novos —, Meia-Noite em Paris poderia ser visto pelos fãs mais cínicos do diretor como um trabalho trivial em comparação com obras como Noivo Neurótico, Noiva Nervosa e Manhattan. Mas, como o próprio Allen ressalta aqui, nostalgia demais não vale a pena.

Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças, de Michel Gondry (Eternal Sunshine of the Spotless Mind, EUA, 2004. Romance/Drama/Sci-Fi.). Às vezes, eu me sinto sinceramente envergonhado de ter assistido a tão poucos filmes escritos por Charlie Kaufman. Além deste, que à época fora considerado seu magnum opus, tendo inclusive lhe rendido seu único Oscar, assisti apenas ao relativamente recente Sinédoque, Nova York. Se esses dois filmes valem alguma coisa, acho que dá pra falar que todo o hype em torno do roteirista Kaufman (também "autor" de Quero Ser John Malkovich e Adaptação) é absolutamente justo. Brilho Eterno... já é praticamente um clássico, então eu não tenho muito mais para falar a seu respeito do que o que já foi dito, mas o que eu posso falar é que qualquer um que não viu esse filme ainda (ou tentou ver e dormiu, o que aconteceu com muita gente) está fazendo a si mesmo um desserviço. Esse drama romântico maluco, pioneiro em retratar as alegrias e as decepções do amor moderno com franqueza (algo que muitos romances passariam a fazer também, um dos casos mais famosos sendo o do ótimo (500) Dias com Ela), é uma daquelas epítomes da linguagem cinematográfica que surgem de tempos em tempos para nos mostrar para que (e do que) o cinema é feito. Criando simbolismos e metáforas dignos de David Lynch e com a profundidade temática de um filme de Francis Coppola ao ambientar o filme quase todo na mente do protagonista, Kaufman e o também visionário diretor francês Michel Gondry (cuja mão inventiva sempre se faz sentir apesar do quanto o roteiro de Kaufman se impõe) fizeram uma obra-prima simultaneamente tocante e assombrosa, com uma complexidade estrutural que poucas vezes teve paralelos e um rigor psicológico impressionante na construção de seus personagens, subvertendo convenções a todo momento e jamais deixando algo ficar solto na narrativa sem que haja um propósito temático específico. Além disso tudo, é claro, todos os atores do filme registram aqui atuações que figuram entre as melhores de suas soberbas carreiras (Jim Carrey em particular). Na superfície, Brilho Eterno... é um filme sobre um relacionamento romântico. Mas, na soma de suas partes, é um filme sobre todos os relacionamentos românticos, e os fatores bons, ruins ou péssimos que os cercam.

Moonrise Kingdom, de Wes Anderson (Moonrise Kingdom, EUA, 2012. Dramédia/Romance.). Eu realmente gostaria de dar cinco estrelas a Moonrise Kingdom — mas não posso, porque embora seja praticamente desprovido de falhas, ainda é um filme que só faz sentido conceitual no contexto de sua produção: sem saber que se trata de um marco na evolução humana dos trabalhos do cultuado Wes Anderson, fica difícil levar esse filme a sério como algo mais do que uma ode à inocência e à eventual perda dela. Na verdade, o olhar de Anderson sobre as pessoas e seus erros, durante quase todo o filme, é apenas observacional, privando o conjunto da profundidade analítica de alguns de seus trabalhos anteriores. Ainda assim, o delicioso senso estético de Anderson e o imenso respeito que este tem por seus personagens se fazem sentir a todo momento em Moonrise Kingdom, que consegue ser ainda mais caloroso, emocional e envolvente do que o excepcional O Fantástico Sr. Raposo (a segunda melhor produção animada no melhor ano da história recente da animação). Pra começar, a escolha dos dois jovens atores estreantes que encabeçam o elenco estrelado é perfeita. Jared Gilman e Kara Hawyard conseguem fazer frente às atuações memoráveis de veteranos como Bruce Willis e Frances McDormand, além de exibirem bem mais química do que a maioria dos casais de comédias românticas — assim tornando a cena da fuga dos dois entre o primeiro e o segundo ato um momento inesquecível por sua organicidade. O filme todo, na verdade, é recheado de bons momentos, inclusive uma série de analogias inteligentes, visuais e sonoras, que servem para definir os complexos personagens e suas motivações e inseguranças. Pontuando com precisão a também antológica sequência da tempestade, a trilha de Alexandre Desplat é ao mesmo tempo aconchegante e climática, e o mesmo pode ser dito do trabalho minucioso dos diretores de arte. No todo, porém, esse é um triunfo de Anderson, que consegue imprimir seu estilo ao filme ao mesmo tempo em que cria uma obra emocionante capaz de tocar a todos.

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