domingo, 16 de dezembro de 2012

Awards Season Report #001

N. do A.: Esse texto foi escrito no dia 13 de dezembro e só foi publicado hoje graças a problemas de conexão com a internet. Portanto, não são levadas em consideração premiações posteriores ao dia da redação.

Uma das minhas maiores fraquezas como entusiasta cinematográfico é que eu realmente me importo com a temporada de premiações nos EUA, desde que assisti ao Oscar pela primeira vez em 2008. (Foi isso, admito, que engatilhou o meu interesse por cinema.) Apesar disso, eu nunca tinha acompanhado atentamente o longo percurso de premiações que se estende do final de novembro até o dia da cerimônia-mor entre fevereiro e março porque não me importava tanto assim; no máximo, eu me preocupava em seguir o buzz em torno dos filmes para os quais estava torcendo (em geral os filmes da Pixar) e algumas categorias específicas como Filme de Animação e Canção Original (estranho, eu sei).

Esse ano, porém, tudo mudou. Agora que eu estou efetivamente a par não só da recepção crítica de praticamente todos os filmes relevantes como do barulho que se tem feito em cima deles — e isso tudo desde o começo da temporada —, eu posso afirmar com segurança que estou por dentro da Oscar season. Por isso e porque eu tenho pensado em incluir uma coluna fixa nesse blog, eu resolvi criar essa série chamada "Awards Season Report", em que farei um apanhado da situação geral da temporada de prêmios para quem estiver interessado (insira ruído de grilos aqui). Lembrando sempre que eu não tive como ver a grande maioria dos filmes dos quais falo (uma desgraça pessoal, claro), e que as informações aqui contidas são baseadas no buzz, nos prêmios e no resultado entre a crítica.

O Oscar é, obviamente, o centro do sistema solar, e as cotações dos filmes dizem respeito ao seu potencial "oscárico", portanto premiações de grande magnitude como o BAFTA, o SAG Awards e o PGA serão tratados apenas como indicadores confiáveis. (O Globo de Ouro não é muito importante. Essa é mais ou menos a regra #1 da temporada do Oscar.) Antes de ser um termômetro para o Oscar, porém, esta coluna será um resumo da temporada de premiações como um todo. Divirtam-se.

MELHOR FILME

A Hora Mais Escura e Lincoln, este em vantagem pela indicação ao SAG de Melhor Elenco, têm sido os mais favorecidos em outras premiações do circuito (sendo que o filme de Kathryn Bigelow ganhou praticamente todos os prêmios da crítica), e ainda há o oscartástico Os Miseráveis, que não estreou oficialmente ainda mas já anda acumulando avaliações favoráveis e indicações. Os ex-favoritos Argo e O Lado Bom da Vida correm por fora e suas indicações ainda são praticamente certas. A única outra certeza na corrida é o novo Ang Lee, As Aventuras de Pi; todos os outros concorrentes são ainda incertos, ocasionando uma das maiores bolhas dos últimos anos. O Mestre perdeu bastante tração e os independentes Moonrise Kingdom e Indomável Sonhadora (ugh, odeio este nome) continuam comendo pelas beiradas com certa estabilidade. O Django Livre de Tarantino tem se saído bem, mas ainda é uma incógnita. A possível décima lacuna que antes pertencia a O Mestre tem pulado entre diversos filmes ultimamente, graças a indicações ecléticas nos vários prêmios com dez indicados. Colocando em perspectiva:

Favoritos
1. Lincoln ***********
2. A Hora Mais Escura +*++++*+*******
3. Os Miseráveis *********

Boas chances
4. Argo ****+********
5. O Lado Bom da Vida ***********
6. As Aventuras de Pi *****+*

Correndo por fora
7. Indomável Sonhadora *******
8. Django Livre ******
9. Moonrise Kingdom *********

Na luta
10. O Mestre *****
11. Amour +*
12. 007: Operação Skyfall **
13. O Impossível **
14. O Exótico Hotel Marigold **

Azarões
15. Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge *
16. Looper *
17. As Vantagens de Ser Invisível *
18. As Sessões *
19. Promised Land *
20. Os Vingadores *

MELHOR DIRETOR

A corrida está semelhante à de Melhor Filme, como de costume, mas com uma diferença: o favoritismo de Spielberg aqui é sobrepujado pelos de Bigelow e Affleck, e ele se iguala a Tom Hooper como um provável indicado e só. A grande dúvida reside na quinta posição, que é disputada entre Ang Lee e David O. Russell, com a balança pendendo alguma coisa para o lado do primeiro. Paul Thomas Anderson, antes tido como grande candidato ao prêmio, caiu junto com seu filme e terá que ficar muito feliz com uma indicação. Colocando em perspectiva:

Favoritos
1. Kathryn Bigelow, A Hora Mais Escura +*+++*+*++*****
2. Ben Affleck, Argo **+*****

Boas chances
3. Steven Spielberg, Lincoln *****
4. Tom Hooper, Os Miseráveis ***

Correndo por fora
5. Ang Lee, As Aventuras de Pi ****+*
6. David O. Russell, O Lado Bom da Vida ****
7. Paul Thomas Anderson, O Mestre *+**

Na luta
8. Quentin Tarantino, Django Livre **
9. Wes Anderson, Moonrise Kingdom *
10. Benh Zeitlin, Indomável Sonhadora *

Azarões
11. Juan Antonio Bayona, O Impossível *
12. Michael Haneke, Amour
13. Ben Lewin, As Sessões *
14. Christopher Nolan, Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge
15. Sarah Polley, Entre o Amor e a Paixão *

MELHOR ATRIZ

A competição esse ano está tépida, mas por outro lado muito acirrada. É difícil precisar uma favorita quando a única indicação são os desconfiáveis prêmios da crítica, mas atualmente parece ser uma disputa a unha entre Jennifer Lawrence e Jessica Chastain — a segunda tem mais prêmios até agora, mas a primeira conta com imensa popularidade. A pequena Quvenzhané Wallis tem potencial para surpreender, e Naomi Watts parece cada vez mais garantida entre as indicadas. Já a quinta candidata é uma incógnita, com o posto alternando entre várias atrizes nos prêmios recentes, mas a francesa Emmanuelle Riva parece a aposta mais segura. Colocando em perspectiva:

Favoritas
1. Jennifer Lawrence, O Lado Bom da Vida **+******+*
2. Jessica Chastain, A Hora Mais Escura *+++*******

Boas chances
3. Naomi Watts, O Impossível *****
4. Quvenzhané Wallis, Indomável Sonhadora ***
5. Emanuelle Riva, Amour **+++*

Correndo por fora
6. Helen Mirren, Hitchcock ****
7. Marion Cotillard, Ferrugem e Osso ****
8. Rachel Weisz, The Deep Blue Sea +*

Na luta
9. Keira Knightley, Anna Karenina *
10. Michelle Williams, Entre o Amor e a Paixão +*
11. Mary Elizabeth Winstead, Smashed *

Azaronas
12. Maggie Smith, Quartet *
13. Judi Dench, O Exótico Hotel Marigold *
14. Laura Linney, Hyde Park on Hudson *
15. Meryl Streep, Um Divã Para Dois *

MELHOR ATOR

Uma das categorias mais fáceis do ano, talvez a mais fácil: a essa altura, pelo menos, é difícil algum outro concorrente sequer avistar Daniel Day-Lewis, que, graças ao combo Abraham Lincoln + Steven Spielberg + ele mesmo, tem sido o favorito desde que o filme foi anunciado. A disputa é pelo segundo lugar, e embora seja ainda cedo pra falar, Hugh Jackman parece ser o mais cotado para ocupá-lo, com o surpreendente Bradley Cooper na sua cola. O problema aqui é que são apenas 5 indicados, o que torna necessária a eliminação de um dos outros três ocupantes do pelotão-de-frente. Dada a rejeição a O Mestre, é mais provável que este seja o bocudo Joaquin Phoenix (que falou mal do Oscar faz um tempinho), mas é muito difícil dizer. Colocando em perspectiva:

Favoritos
1. Daniel Day-Lewis, Lincoln +*+++++*****+*

Boas chances
2. Hugh Jackman, Os Miseráveis *******
3. Bradley Cooper, O Lado Bom da Vida *+******

Correndo por fora
4. John Hawkes, As Sessões *********
5. Denzel Washington, Flight ******
6. Joaquin Phoenix, O Mestre **+******

Na luta
7. Bill Murray, Hyde Park on Hudson **
8. Anthony Hopkins, Hitchcock *
9. Denis Lavant, Holy Motors **
10. Richard Gere, A Negociação *

Azarões
11. Jamie Foxx, Django Livre *
12. Jean Louis Trintignant, Amour
13. Jack Black, Bernie *
14. Ben Affleck, Argo
15. Omar Sy, Intocáveis *

MELHOR ATOR COADJUVANTE

Se no ano passado essa categoria era uma imensa marmelada (Christopher Plummer), esse ano ela está muito perto da indefinição total. Com múltiplos concorrentes muito fortes e nenhum que tenha se sobressaído nos prêmios da temporada, este é um ano em que muitos dos que batalham por uma indicação seriam considerados favoritos à estatueta em temporadas mais fracas. O jeito é ir pela observação e apostar naqueles cujos filmes são mais populares — menos mau para Tommy Lee Jones, que terá uma fração de favoritismo ante nomes fortes como Alan Arkin e Philip Seymour Hoffman e Christoph Waltz e Robert De Niro e Javier Bardem (cacilda). Colocando em perspectiva:

Favoritos
1. Tommy Lee Jones, Lincoln *+*+*****+*
2. Philip Seymour Hoffman, O Mestre *+******

Boas chances
3. Christoph Waltz, Django Livre **+**
4. Robert De Niro, O Lado Bom da Vida *****
5. Alan Arkin, Argo ******
5. Matthew McConaughey, Magic Mike +**
5. Javier Bardem, 007: Operação Skyfall *****
8. Leonardo DiCaprio, Django Livre +**
8. Ezra Miller, As Vantagens de Ser Invisível +**

Correndo por fora
10. Dwight Henry, Indomável Sonhadora +
11. Eddie Redmayne, Os Miseráveis *
12. John Goodman, Argo *
12. John Goodman, Flight *
14. Ewan McGregor, O Impossível *

Na luta
15. Russell Crowe, Os Miseráveis
16. William H. Macy, As Sessões *
17. Jude Law, Anna Karenina

Azarões
18. Bruce Willis, Moonrise Kingdom *
19. Christopher Walken, Sete Psicopatas e um Shih Tzu *
20. Jim Broadbent, A Viagem
21. Tom Hardy, Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge
22. Jason Clarke, A Hora Mais Escura
23. Michael Peña, Marcados Para Morrer
24. Andy Serkis, O Hobbit: Uma Jornada Inesperada

MELHOR ATRIZ COADJUVANTE

Muitos diriam que esse prêmio já pertence a Anne Hathaway, e realmente ela já está com uma mão na estatueta, mas essa categoria ainda está longe da definição. Sally Field é uma ameaça a ser levada em conta, e não se pode desprezar a força de Amy Adams e Helen Hunt. Além disso, o alto nível esse ano impede que haja uma quinta colocada sólida, ainda mais agora que Nicole Kidman começou a ser indicada a prêmios. Colocando em perspectiva:

Favoritas
1. Anne Hathaway, Os Miseráveis *++**+*****+*
2. Sally Field, Lincoln +*+******

Boas chances
3. Helen Hunt, As Sessões ********
4. Amy Adams, O Mestre **+*****

Correndo por fora
5. Ann Dowd, Compliance +***
6. Nicole Kidman, The Paperboy **
7. Maggie Smith, O Exótico Hotel Marigold *
7. Emma Watson, As Vantagens de Ser Invisível *+**
9. Judi Dench, 007: Operação Skyfall ***

Na luta
10. Samantha Barks, Os Miseráveis **
11. Jacki Weaver, O Lado Bom da Vida

Azaronas
12. Rebel Wilson, A Escolha Perfeita *
13. Lorraine Toussant, Middle of Nowhere
14. Kerry Washington, Django Livre
15. Kristen Stewart, Na Estrada
16. Kelly Reily, Flight

MELHOR ROTEIRO ORIGINAL

Uma categoria interessante, visto que a maioria dos roteiros bem-cotados esse ano são adaptados. Seria fácil enxergar A Hora Mais Escura como favorito, mas esse só será o caso se o filme também reinar nas categorias principais, como foi com Guerra ao Terror. A Academia tende a dar essa estatueta como um prêmio de consolação a filmes sem chance na disputa de Melhor Filme, e esse cenário favorece filmes polarizadores como O Mestre e produções de gênero como Moonrise Kingdom e o premiado Looper. E dado o histórico de amor/ódio a Tarantino, a maior chance de Django Livre é a de ser indicado sem vencer. Se isso acontecer, os cinco indicados já estão praticamente definidos, mas é preciso ficar atento aos vários outros cartazes com potencial. Colocando em perspectiva:

Favoritos
1. O Mestre, Paul Thomas Anderson **+**
2. Looper, Rian Johnson ++*+
3. A Hora Mais Escura, Mark Boal **+****

Boas chances
4. Moonrise Kingdom, Wes Anderson e Roman Coppola *******
5. Django Livre, Quentin Tarantino *****

Correndo por fora
6. Flight, John Gatins **
7. Amour, Michael Haneke
8. Sete Psicopatas e um Shih Tzu, Martin McDonagh *

Na luta
9. O Segredo da Cabana, Joss Whedon e Drew Goddard ***
10. Intocáveis, Eric Toledano e Olivier Nakache *
11. A Negociação, Nicholas Jarecki *
12. Entre o Amor e a Paixão, Sarah Polley **

Azarões
13. Middle of Nowhere, Ava DuVernay
14. Magic Mike, Steven Soderbergh
15. Valente, Mark Andrews, Brenda Chapman, Steve Purcell e Irene Mecchi

MELHOR ROTEIRO ADAPTADO

Os resultados da temporada têm sido mais ou menos heterogêneos, mas Lincoln ainda é o favorito indiscutível. Argo e O Lado Bom da Vida completam a dianteira, e entre os dois outros prováveis indicados há a zebra do ano, As Vantagens de Ser Invisível, que, graças a ótimos resultados em prêmios da crítica, tem sido capaz até mesmo de ultrapassar As Aventuras de Pi como a quarta opção mais confiável. Candidatos ao prêmio principal, como Os Miseráveis e Indomável Sonhadora, só devem entrar se tiverem muito amor entre os votantes, mas não é impossível que um deles tome a quinta posição da frágil extravaganza diretorial de Ang Lee. Colocando em perspectiva:

Favoritos
1. Lincoln, Tony Kushner +*+*+*****
2. Argo, Chris Terrio **++****
3. O Lado Bom da Vida, David O. Russell *++*******

Boas chances
4. As Vantagens de Ser Invisível, Stephen Chbosky ******
5. As Aventuras de Pi, David Magee *****

Correndo por fora
6. Os Miseráveis, William Nicholson *
7. Indomável Sonhadora, Benh Zeitlin e Lucy Alibar *

Na luta
8. As Sessões, Ben Lewin *
9. This Is 40, Judd Apatow
10. Anna Karenina, Tom Stoppard *
11. Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge, Christopher e Jonathan Nolan

Azarões
12. A Viagem, Lana e Andy Wachowski e Tom Tykwer
13. Bernie, Skip Hollandsworth e Richard Linklater
14. O Exótico Hotel Marigold, Ol Parker
15. 007: Operação Skyfall, Neal Purvis, Robert Wade e John Logan

MELHOR FILME DE ANIMAÇÃO

Um dos anos mais fracos da história da categoria, sem nenhum favorito claro e bons argumentos a favor de quase todos os candidatos principais. Valente tem a vantagem de ser da Pixar, o que, se não assegura uma vitória, ainda move montanhas para um filme que teve sucesso de público e crítica apenas razoável. Ainda assim, pode-se argumentar que a dianteira é de Frankenweenie, por ser uma excelente oportunidade de dar o primeiro Oscar a Tim Burton. E apesar disso tudo, ParaNorman é o que tem se dado melhor nos prêmios da crítica, e Detona Ralph é provavelmente o que goza de maior popularidade. Até mesmo a quinta indicação é uma incógnita: se muitos diriam que A Origem dos Guardiões é a escolha mais segura, a Academia ainda adora dar reconhecimento a produções estrangeiras, o que favorece The Painting e O Gato do Rabino, e há ainda Hotel Transilvânia, que, apesar do fracasso de crítica, continua sendo a estreia cinematográfica do amado-por-todos Genndy Tartakovsky. Colocando em perspectiva:

Favoritos
1. Frankenweenie *+**++*****
2. Valente ********
3. ParaNorman **++*+***+
3. Detona Ralph **+******

Boas chances
5. A Origem dos Guardiões *******
5. O Gato do Rabino *
7. The Painting

Correndo por fora
8. Hotel Transilvânia **
9. Madagascar 3: Os Procurados **
10. Piratas Pirados! *

Na luta
11. From Up on Poppy Hill
12. O Lórax

Azarões
13. A Era do Gelo 4 *
14. Monty Python: A Autobiografia de um Mentiroso
15. Todas as outras produções internacionais

MELHOR DOCUMENTÁRIO

Categoria difícil de prever, todos os anos, graças à maluquice do comitê isolado que vota nos indicados e vencedores e à sempre imensa quantidade de candidatos fortes. Para comprovar isso, é só verificar que, mesmo com a morte por shortlist de nomes de peso como The Central Park Five, Jiro Dreams of Sushi e The Queen of Versailles, a corrida continua apertadíssima. Enquanto a Academia não expande o número de indicados para dez, porém, é mais sensato afirmar que os favoritos são Searching for Sugar Man e Bullying, com The Gatekeepers e How to Survive a Plague fazendo figa. A última vaga pode ir para vários concorrentes de segundo pelotão, mas a dianteira, eu diria, é de Mea Maxima Culpa, pelo tema explosivo (Igreja Católica e pedofilia). Colocando em perspectiva:

Favoritos
1. Searching for Sugar Man *+******
2. Bullying +****+

Boas chances
3. How to Survive a Plague ++*
4. The Gatekeepers **+

Correndo por fora
5. Mea Maxima Culpa: Silence in the House of God
6. The Invisible War **+
7. The Imposter ***
8. Ai Weiwei: Never Sorry ***
9. The House I Live In *

Na luta
10. Isto Não É um Filme
11. Detropia *
12. The Waiting Room

Azarões
13. Chasing Ice *
14. Ethel
15. 5 Broken Cameras

[AS DEMAIS CATEGORIAS TERÃO COMENTÁRIOS CURTOS DE APENAS DEZ PALAVRAS]

MELHOR FILME ESTRANGEIRO

O comitê isolado é imprevisível. Pulo. (Mas Amour é imbatível.)

MELHOR FOTOGRAFIA

Todos torcem para Roger Deakins, mas será difícil bater Pi.

1. As Aventuras de Pi, Claudio Miranda *+*++***+
2. 007: Operação Skyfall, Roger Deakins
*+*+****
3. O Mestre, Mihai Malaimare Jr.
***+***
4. Lincoln, Janusz Kaminski
***
5. Os Miseráveis, Danny Cohen
****
6. A Hora Mais Escura, Greig Fraser +**
7. Indomável Sonhadora, Ben Richardson ***
8. Django Livre, Robert Richardson **
9. Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge, Wally Pfister
10. A Viagem, Frank Griebe e John Toll *

MELHOR DESIGN DE PRODUÇÃO

Novo nome, velhos critérios: quanto mais pompa, melhor (Os Miseráveis).

1. Os Miseráveis, Eve Stewart e Anna Lynch-Robinson *****
2. Anna Karenina, Sarah Greenwood e Katie Spencer
*****
3. A Viagem, Hugh Bateup e Uli Hanisch e Rebecca Alleway e Peter Walpole
++*
4. Lincoln, Rick Carter e Jim Erickson
***
5. O Hobbit: Uma Jornada Inesperada, Dan Hennah, Ra Vincent e Simon Bright
**
6. Moonrise Kingdom, Adam Stockhausen e Kris Moran ****
7. As Aventuras de Pi, David Gropman e Anna Pinnock *
8. O Mestre, Jack Fisk e Amy Wells *+
9. Prometheus, Alex Cameron e Sonja Klaus +
10. Argo, Sharon Seymour e Jan Pascale *

MELHOR TRILHA SONORA

Prêmio de consolação para O Mestre. Indicação dupla para Desplat?

1. O Mestre, Jonny Greenwood *++*+*
2. As Aventuras de Pi, Mychael Danna
***+*
3. Lincoln, John Williams
*****
4. Argo, Alexandre Desplat
****
5. Indomável Sonhadora, Dan Romer e Benh Zeitlin
**+**
6. Moonrise Kingdom, Alexandre Desplat ****
7. Anna Karenina, Dario Marianelli **
8. A Viagem, Tom Tykwer, Johnny Klimek e Reinhold Heil **
9. 007: Operação Skyfall, Thomas Newman **
10. O Hobbit: Uma Jornada Inesperada, Howard Shore *

MELHOR MONTAGEM

Difícil. Thrillers "sérios" como Argo e Hora... geralmente têm vantagem.

1. A Hora Mais Escura, William Goldenberg e Dylan Tichenor *+++***+
2. Argo, William Goldenberg
**+**
3. Os Miseráveis, Melanie Ann Oliver e Chris Dickens
**
4. As Aventuras de Pi, Tim Squyres
***
5. Lincoln, Michael Kahn
*
6. O Mestre, Leslie Jones e Peter McNulty *
7. O Lado Bom da Vida, Jay Cassidy *
8. Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge, Lee Smith *
9. A Viagem, Alexander Berner *
10. 007: Operação Skyfall, Stuart Baird *

MELHOR MAQUIAGEM

Três indicados, poucos indicadores. A Viagem?

1. A Viagem *
2. O Hobbit: Uma Jornada Inesperada
*
3. Os Miseráveis
*
4. Lincoln *
5. Hitchcock
6. Homens de Preto 3

MELHOR FIGURINO

Anna Karenina leva: é mais espalhafatoso. Ver Design de Produção.

1. Anna Karenina, Jacqueline Durran ***+
2. Os Miseráveis, Paco Delgado
***
3. O Hobbit: Uma Jornada Inesperada, Bob Buck, Ann Maskrey e Richard Taylor
**
4. Lincoln, Joanna Johnston
**
5. A Royal Affair, Manon Rasmussen
**
6. A Viagem, Kym Barrett e Pierre-Yves Gayraud **
7. Branca de Neve e o Caçador, Colleen Atwood *
8. Espelho, Espelho Meu, Eiko Ishioka
9. Hitchcock, Julie Weiss
10. Moonrise Kingdom, Kasia Walicka-Maimone

MELHORES EFEITOS VISUAIS

Pi leva fácil. A grande questão é: Prometheus ou Batman?

1. As Aventuras de Pi ****+
2. A Viagem
****
3. O Hobbit: Uma Jornada Inesperada
**
4. Os Vingadores
***
5. Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge
**
6. Prometheus ***
7. Branca de Neve e o Caçador *
8. 007: Operação Skyfall *
9. John Carter
10. O Espetacular Homem-Aranha

MELHOR EDIÇÃO DE SOM

Não há nenhuma indicação confiável a essa altura, nem nunca.

MELHOR MIXAGEM DE SOM

A categoria mais nublada, todo ano. Super-heróis ou cantoria?

MELHOR CANÇÃO ORIGINAL

Antes imprevisível; agora, com as novas regras, Skyfall é certeza.

1. "Skyfall", de 007: Operação Skyfall ***+*
2. "Suddenly", de Os Miseráveis
****
3. "Learn Me Right", de Valente
***
4. "For You", de Ato de Valor
**
5. "Still Alive", de Paul Williams Still Alive
**
6. "When Can I See You Again", de Detona Ralph *
7. "Not Running Anymore", de Stand Up Guys *
8. "Love Always Comes as a Surprise", de Madagascar 3: Os Procurados *
9. "Everybody Needs a Best Friend", de Ted
10. "Safe & Sound", de Jogos Vorazes **


Legenda

*Indicado ao Grammy. Assim como o Oscar tem um prêmio para músicas, o Grammy tem um prêmio para filmes. Claro, como é o Grammy, os indicados quase sempre são da autoria de artistas pop da moda. Ugh.
*Indicado ao Annie. Prêmio para animações; por algum tempo, foi o quintal da DreamWorks. Não é levado a sério, mas dá pra ajudar um pouco nas previsões.
+Vencedor do NYFCC Award. O Círculo de Críticos de Nova York. O sistema de votação é tão burocrático e complicado que às vezes o segundo mais votado vence.
*Indicado ao Satellite Award. Ninguém sabe qual é a dessa tal de Academia de Imprensa Internacional, mas eles fazem esse prêmio todo ano com seis ou sete indicados por categoria.
+Vencedor do National Board of Review Award. O prêmio da crítica dos prêmios da crítica. Como em todo prêmio da crítica, os vencedores são incomuns e quase nada têm a ver com o Oscarômetro.
*Incluído numa lista da NBR. A National Board of Review também faz listas dos melhores do ano, para compensar a falta de indicados.
+Vencedor do BOFCA Award. Os críticos online de Boston resolveram fundar uma associação esse ano. Ninguém sabe qual é a deles ainda.
*Incluído no Top 10 do BOFCA. A mesma associação resolveu também incluir uma lista dos dez melhores do ano na sua premiação.
+Vencedor do/*Indicado ao WAFCA Award. Críticos da capital americana; se uniram faz pouco tempo. Os indicados não são lá especiais, mas pelo menos indicados.
+Vencedor do/*Indicado ao LAFCA Award. Mais um da crítica. Esses sabem o que dizem: são lá de Los Angeles. Uma dessas premiações em que anuncia-se o vencedor e mais um "segundo colocado".
+Vencedor do/*Indicado ao BSFC Award. Também críticos, também de Boston, mas esse é outro prêmio. O sistema é igual ao do de Los Angeles: vencedor e segundo colocado.
+Vencedor do/*Indicado ao SDFCS Award. A sigla é informal. Os críticos de San Diego fazem escolhas interessantes para os indicados. Esse ano, eles adoraram Argo.
+Vencedor do NYFCO Award. Críticos de Nova York também têm sua própria premiação online. Infelizmente, eles não listam indicados (esses nova-iorquinos...).
*Incluído no Top 10 do AFI. O Instituto do Filme Americano faz anualmente uma lista em ordem alfabética dos dez melhores do ano. Bom indicador, mas sempre há uma escolha improvável (esse ano, Batman).
*Indicado ao SLFC Award. Críticos de St. Louis. Cobrem vários campos e têm pelo menos uma categoria interessante (Melhor Cena), mas o press release tinha vários errinhos (JOSH Whedon).
*Indicado ao Critics Choice Award. Apesar do nome, este não é bem um prêmio da crítica: a maior preocupação dos votantes é que os seus indicados se assemelhem aos do Oscar. Trata-se, pois, do melhor termômetro disponível.
*Indicado ao PFCS Award. Críticos de Phoenix. Moram no Arizona e parecem ter a pretensão de se tornar um bom termômetro para o Oscar.
*Indicado ao DFCS Award. Críticos de Detroit; premiam só os essenciais. Nada de firulas. Nada de oitos. Dieta da sopa. Embalado a vácuo. Você entende onde quero chegar.
*Indicado ao SAG Award. Prêmio do Sindicato dos Atores — uma referência obrigatória. Como só premia atores, os concorrentes a Melhor Filme marcados são os que foram indicados a Melhor Elenco. É quase impossível ganhar sem isso.
+Vencedor do LVFCS Award. Outro prêmio da crítica, dessa vez de Las Vegas. Não é a toa que adoraram As Aventuras de Pi: tem um tigre no filme.
*Incluído no Top 10 do LVFCS. Mais um Top 10.
*Indicado ao Globo de Ouro. Há duas coisas que você precisa saber sobre o Globo de Ouro: eles são obcecados por "lendas" e não sabem o que é uma comédia.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Resenha 13: "Cinco Anos de Noivado", de Nicholas Stoller

Emily Blunt e Jason Segel em Cinco Anos de Noivado. © Universal.
The Five-Year Engagement, EUA, 2012. Romance/Dramédia. 124 minutos. Direção: Nicholas Stoller. Escrito por: Jason Segel e Nicholas Stoller. Elenco: Jason Segel, Emily Blunt, Chris Pratt, Alison Brie, Rhys Ifans, Jacki Weaver, Jim Piddock, David Paymer, Mimi Kennedy, Mindy Kaling, Kevin Hart, Brian Posehn, Chris Parnell, Lauren Weedman, Tracee Chimo, Dakota Johnson, Randall Park. Classificação indicativa: A definir. R nos EUA.

(Ainda sem classificação indicativa no Brasil, mas, a julgar pelo conteúdo, será provavelmente 16 ou 18 anos. Aciono o A.S.I.R.)

Comédias românticas são um gênero complicado. Criticadas pela grande maioria delas se render facilmente aos clichês e resoluções fáceis, elas quase sempre têm que mirar o extremo oposto e desenvolver suas histórias de maneira tão crua e realista, sempre que cá e lá se esforçam para quebrar os preceitos batidos do gênero e fazer um relato mais maduro e sincero dos relacionamentos que abordam, que acabam por provocar a indiferença do espectador simplesmente pelo desprezo que sentimos pelos seus personagens, com suas falhas de caráter. Ora, um dos princípios incontornáveis da comédia romântica é justamente que precisamos conseguir torcer pelos personagens para nos importar com o que se sucede a eles. Assim, uma romcom só acerta o ponto quando consegue nos apresentar a personagens atraentes e desenhar seus arcos sem abrir mão da franqueza, o que, infelizmente, rareia. Qual não foi minha surpresa ao perceber, então, na segunda metade de Cinco Anos de Noivado, que eu não só torcia pelo final feliz de seus protagonistas, como ainda era capaz de sentir a dor e a felicidade intercaladas destes.

Claro, essa dramédia escrita pela mesma dupla de roteiristas de Os Muppets (haja versatilidade) vem do forno do produtor Judd Apatow (dê um Google), o que ajuda bastante. Mas Cinco Anos... vai além do escracho sofisticado de trabalhos como Missão Madrinha de Casamento e acaba se saindo uma das obras mais maduras do panteão de Apatow. O enredo já diz tudo: após ficarem noivos com apenas um ano de namoro, Tom (Segel) e Violet (Blunt) enfrentam uma série de barreiras de todos os tipos que os forçam a adiar cada vez mais o seu casamento, ao mesmo tempo em que se descobrem cada vez mais infelizes um com o outro. Poderia facilmente ser um melodrama pesado, mas é (no papel) uma comédia romântica. O diferencial aqui está na inteligência do roteiro, que, assim como no relativamente recente iraniano A Separação, aumenta a pressão sobre seus personagens gradativamente e extrai seus principais conflitos e curvas fechadas de decisões compreensíveis e até mesmo nobres destes. Dessa forma, Cinco Anos... se torna o estudo de um relacionamento complexo entre duas pessoas bem-intencionadas, e, graças à estruturação inteligente de seus personagens secundários, acaba sendo também, de maneira geral, uma desconstrução dos relacionamentos típicos de produções do gênero.

E a melhor parte dessa desconstrução é que o diretor, produtor e roteirista Stoller a conduz tendo como recurso constante algo que raramente se vê em produções como esta: sutileza. Assim, inicialmente nós acreditamos que o breve e errôneo envolvimento entre a irmã cética de Violet e o melhor amigo bobão de Tom será apenas uma dessas "decisões erradas feitas por pessoas embriagadas" com aparição pontual e cômica, mas Stoller nos surpreende ao jogar uma reviravolta sobre os dois coadjuvantes que os faz assumir a condição de um contraponto amargo para o relacionamento de Tom e Violet. O mesmo vale para os pais da noiva: se a maioria das comédias não resistiria a transformá-los em típicos "sogros divorciados", aqui eles são vistos de maneira realista, como a mãe de Violet confirma ao explicar para a filha que foi, na verdade, feliz em seu casamento. E reparem como a namorada troféu do pai de Violet dá lugar a outra nos minutos finais da projeção — um detalhe que confere honestidade ao clichê do ex-marido tarado.

Além de tudo, Stoller lança mão de uma série de simbolismos (isso mesmo: simbolismos!) para colorir a relação de Tom e Violet, indo do mais simples (percebam como a analogia dos donuts é usada para alterar repentinamente a imagem que temos de Tom) ao mais trabalhado (os relacionamentos pós-término em que os protagonistas se aventuram são repletos de detalhes sutis que mostram o quanto os dois erraram em se separar). O cartão-título é um dos mais brilhantes que já vi, sobrepondo a um pedido de casamento regado a fogos de artifício e um beijo hollywoodiano o sardônico letreiro "CINCO ANOS DE NOIVADO". E o que dizer da morte progressiva dos avós de Violet e Tom, que poderia tanto ser apenas um acréscimo de humor negro quanto conter uma leitura profunda sobre a chegada da idade adulta e o efeito que esta tem sobre o relacionamento dos dois?

É claro que toda essa ambição temática poderia comprometer o andamento narrativo do filme (ainda é, afinal, uma comédia romântica), e se por um lado a montagem acerta nas transições sofisticadas que destilam cada cena ao seu conteúdo essencial, por outro é inegável que uns quinze minutos a menos (são mais de duas horas) aumentariam o impacto do filme como um todo (apesar de me ocorrer a hipótese de a longa duração do filme ser perfeitamente intencional). Assim, Cinco Anos... acaba pecando por enfiar conteúdo demais em um só roteiro, e sou forçado a admitir que isso deixará muitas pessoas inquietas ou mesmo sonolentas, especialmente no terceiro ato. Ainda assim, eu sou muito mais um filme ambicioso com probleminhas de ritmo do que tantas outras romcoms que se preocupam apenas em divertir sem fazer pensar. Talvez seja por isso que essa produção teve sucesso apenas mediano: ela é boa demais, profunda demais para uma comédia romântica, a ponto de o humor às vezes parecer apenas um recurso para tornar o filme menos sério — o resultado disso é que cenas memoráveis como a discussão histérica entre o Elmo e o Come-Come (veja e entenderá) acabam ficando lado a lado com momentos dispensáveis como o acidente de cozinha sofrido pela Chef Sally.

Apesar de tudo, o filme ainda diverte bastante graças ao talento cômico dos atores — e, mais importante, consegue nos fazer cruzar os dedos pelo final feliz de Tom e Violet. E quando este finalmente chega, é de forma tão singela e emocionalmente honesta que nem de longe trai a melancolia que o resto do filme atingiu, apesar de ainda assim ser um momento absolutamente feliz. É uma representação da conquista do filme como um todo — e assim como Tom e Violet relembram ao longo dos anos o dia em que se conheceram, esse é um filme ao qual me vejo retornando muitas vezes. Não me lembro de ter me sentido assim com uma comédia romântica antes.

Classificação final:

sábado, 24 de novembro de 2012

Casting pra quê?

"Unfortunately, the joke is bullshit."

O casting é uma tarefa difícil. Além de serem encarregados de coordenar todos os detalhes comerciais da contratação de atores, os diretores de elenco devem ter um conhecimento amplo do "mercado de atores" e conhecer as limitações, os fortes e até as preferências pessoais de suas "opções". Precisam conseguir encontrar atores que sejam competentes, compatíveis com os personagens, apropriados à visão do diretor e, acima de tudo, disponíveis. Em muitos filmes, isso é um desafio enorme.

Em filmes de animação, porém, aparenta ser um trabalho relativamente descomplicado: basta encontrar qualquer estrela (não precisa nem ser um ator ou atriz; basta estar no showbiz) que esteja com um espacinho na agenda, dá-la milhões de dólares para entrar no projeto e repetir o procedimento até ter uma lista de uns três ou quatro A-listers com nome suficiente para atrair pessoas para o cinema. Se o número de personagens do filme for grande, é só ir atrás de alguns ex-popstars que andam sumidos — eles não hesitarão em aceitar os papéis menores — ou convocar alguns comediantes ou "atores engraçados" jovens e populares (de preferência vindos da TV, a fim de diminuir os custos) para dar vida aos personagens mais malucos ou excêntricos, o que dará ao filme uma oportuna camada de interesse nerd. Ah, e é sempre bom convocar um "veterano" para dar um ar sério ao elenco — mas precisa também ser uma estrela, e não uma velha lenda nem nada disso.

Essa fórmula cansada e desrespeitosa com o público é repetida em virtualmente todas as produções animadas de estúdios grandes — menos as da Pixar, como explicarei — e por causa disso, animações são, hoje, o gênero cujos filmes têm em média os elencos mais estrelados. E, por mais que eu goste da ideia, é óbvio que essa tendência tem, na prática, motivações principalmente comerciais; esse tipo de casting formulaico e centrado apenas no star power deturpa a ideia principal do diretor de elenco, que é escolher o ator perfeito para cada papel.

E a pior parte disso é aquela a que se refere a legenda da imagem acima: os estúdios sempre fazem questão de esfregar na nossa cara que seus filmes têm superstars no elenco, não hesitando em fazer alarde em torno dos atores que contratam sempre que surge uma oportunidade. Portanto, a piada presente nesse pôster de A Origem dos Guardiões é contraditória ao que a DreamWorks (que produziu e distribui o filme) tem feito até agora: o barulho em cima do megaelenco composto por Chris Pine, Alec Baldwin, Hugh Jackman, Jude Law e Isla Fisher tem sido tão grande que o estúdio chegou ao cúmulo de inscrever seu filme na categoria "Melhor Elenco" do SAG Awards — uma atitude que apoio completamente, mas que aqui foi tomada antes mesmo de o filme estrear, sinalizando que os realizadores querem fazer você acreditar que reuniram o melhor elenco vocal de todos os tempos. Uma suposição baseada, novamente, no star power, e não no talento em si dos atores.

E a DreamWorks é especialista nisso. Todos os seus filmes em CGI, todos mesmo, se sujeitaram à formula supracitada. (Aqueles produzidos pela DreamWorks, e não os só distribuídos por ela, que fique claro.) Começando com Formiguinhaz em 1997 — uma produção que, por melhor que seja, foi, em sua concepção, um plágio confesso de Vida de Inseto —, que trazia em seu elenco Sharon Stone, Sylvester Stallone, Jennifer Lopez (!) e Woody Allen (!!). E, se os atores acabaram sendo elogiados (Allen em especial) e os demais papéis foram dados a veteranos respeitáveis como Danny Glover e Gene Hackman, isso foi mais, como a história provou, porque a DreamWorks ainda não tinha os meios para conseguir muitos atores de primeira. Tanto é que já na sua segunda produção, Shrek, o estúdio contratou Mike Myers, Cameron Diaz e Eddie Murphy para encabeçar o elenco — e teria ido mais longe (provavelmente deixando de lado atores como John Litgow e Vincent Cassel) se tivesse como, o que ficou claro quando, diante da necessidade de contratar um ator latino para fazer o Gato de Botas em Shrek 2, a DreamWorks escolheu simplesmente aquele que era, na época, o ator latino mais estelar do mundo: Antonio Banderas.

Mais discreto impossível.
O cúmulo, porém, veio em 2004, com O Espanta Tubarões — basta olhar para a imagem ao lado para ver qual foi a estratégia da DreamWorks na divulgação. (E o pôster nem menciona as participações de Ziggy Marley e Christina Aguilera.) Foi esse filme que começou, efetivamente, a onda do casting comercial em animações, um padrão que todos os filmes subsequentes da DreamWorks, e também todos os outros filmes de animação com grande distribuição, seguiriam. (E por isso, mesmo jamais tendo assistido a O Espanta Tubarões, ele está na minha lista negra cinematográfica.) Mesmo na ponta do lápis, é quase impossível escapar um sequer — exceção feita, inexplicavelmente, a algumas produções internas da Disney, como A Família do Futuro e A Princesa e o Sapo, o que é irônico tendo em vista que o estúdio foi pioneiro na escalação de estrelas para elencos vocais (vide Robin Williams em Alladin).

Há uma contracorrente, porém, que fica evidente no principal adversário de O Espanta Tubarões à sua época de lançamento: o já clássico Procurando Nemo, da (claro) Pixar — que, como afirmei anteriormente, é o único estúdio grande a resistir a essa tendência. (E como poderia ser outro?) Sim, é possível argumentar que Procurando Nemo cedeu um pouco à febre ao convocar Ellen DeGeneres para fazer Dory. Mas assista o filme em inglês e verá que qualquer outra atriz no mundo seria errada. Qualquer outra. (Katharine Hepburn seria errada.) Além disso, reza a lenda que Andrew Stanton pensou em DeGeneres no meio da produção do filme e reescreveu o personagem especificamente para ela, então há um fundo de nobreza na decisão. Mas eis o restante do elenco de Procurando Nemo: Albert Brooks, Willem Dafoe, Geoffrey Rush, Allison Janney, Brad Garrett. Desses, apenas Garrett poderia ser visto como uma escolha oportuna — mas ele já estava com a Pixar desde 1997, quando Everybody Loves Raymond ainda era só uma criança. Todos os outros são veteranos altamente respeitáveis, e muitos poderiam ser vistos como escolhas até arriscadas, dado o público-alvo (eu mesmo não conhecia Brooks até o ano passado). Ah, e mencionei que há uma participação especial no filme? Se você pensou em uma superestrela como Brad Pitt ou Johnny Depp, errou: quem aparece de surpresa é Eric Bana, em começo de carreira cinematográfica e dividindo a tela com outros dois atores desconhecidos. E isso tudo apesar de a Pixar já ter se firmado, a essa altura, como um estúdio de imenso prestígio.

Sem contar a escalação de Tom Hanks e Tim Allen para Toy Story (o que é perdoável, considerando o quanto os personagens se tornaram emblemáticos na carreira dos dois), esse respeito pela qualidade do elenco em detrimento do star power sempre foi característico da Pixar: em Vida de Inseto, apesar do imenso sucesso de Toy Story, o pouco conhecido mas elogiado ator/roteirista de TV Dave Foley foi convocado para fazer Flik, e embora o elenco de personagens do filme fosse grande e diverso, os demais atores não eram comediantes com apelo pop ou estrelas fora de circulação, e sim veteranos como David Hyde Pierce, Richard Kind, Phyllis Diller, Madeline Kahn e — atenção — Kevin Spacey. (Curiosamente, havia também no elenco a mirim Hayden Panettiere, que chegaria ao semi-estrelato muitos anos depois, em Heroes.) Em Monstros S.A., o cuidado se repetiu: além de John Goodman e Billy Crystal, perfeitos nos papéis principais, havia ainda no elenco, em casting irretocável, Steve Buscemi e James Coburn — sim, James Coburn (1928-2002), que embora fosse um veteranaço vencedor do Oscar, jamais teria vez em uma produção animada hoje, porque já tinha passado do auge. Em Os Incríveis, Craig T. Nelson e Holly Hunter (vencedora do Oscar, mas longe de ser uma superstar) foram os eficientes protagonistas em um elenco cujo maior nome era Samuel L. Jackson (se você quiser criticar a escolha de Samuel L. Jackson, fique à vontade, mas eu não vou correr o risco). E em Carros, o casting foi inteligente ao contrapor sua única "estrela", o protagonista Owen Wilson, aos veteranos que interpretaram os carros da nostálgica Radiator Springs, como George Carlin, Paul Dooley, Katherine Helmond, Cheech Martin, Tony Shalhoub e PAUL NEWMAN. (Que outro estúdio daria um papel principal a Paul Newman àquela altura?) Além disso, para fazer Sally, a Pixar não escalou uma estrela jovem como Owen Wilson (o que qualquer outro estúdio faria), mas chamou novamente uma constante em seus filmes para dar a "experiência" necessária à personagem: Bonnie Hunt.

Isso nunca mudou. A Pixar já chegou ao ponto de não usar atores profissionais para os papéis principais, em WALL-E (que tinha participações de Jeff Garlin, Fred Willard e Sigourney Weaver, mas só), e fazer um filme protagonizado por dois atores rodados que o público jovem conhecia pouco, mas que mereciam todos os papéis que lhes fossem dados — Ed Asner e Christopher Plummer (anos antes do Oscar) em Up - Altas Aventuras. Recentemente, ao perder Reese Witherspoon (a escolha inicial para Merida, o que admito ter sido provavelmente uma decisão comercial) em Valente, a Pixar a substituiu por uma atriz escocesa subvalorizada, Kelly Macdonald, ao invés de ir atrás de outra estrela. Como se isso tudo não bastasse, o estúdio usou muito bem as oportunidades de acrescentar novos atores às suas cinesséries, incluindo em Toy Story 2 Joan Cusack e Kelsey Grammer, e em Toy Story 3 Ned Beatty e Michael Keaton. Enquanto isso, a Blue Sky acrescentou a A Era do Gelo 2 Queen Latifah, Josh Peck (de Drake & Josh) e Seann William Scott (o Stifler de American Pie), e a DreamWorks escalou Justin Timberlake para Shrek Terceiro. Percebe a diferença?

Acredite: é triste para mim dizer isso tudo. Eu gostaria muito que os outros estúdios de animação se esforçassem mais em trazer atores realmente bons, e não apenas estrelas em alta, para seus projetos. Mas isso ainda é longe de ser uma realidade. Para cada Dustin Hoffman ou Frances McDormand, para cada John Cleese ou Hugo Weaving, há cinquenta Taylor Swifts, Ashton Kutchers, America Ferreras, Tracy Morgans, P!nks, Adam Sandlers, Russell Brands, Roseanne Barrs, Chris Rocks, Miley Cyruses, Seth Rogens, Andy Sambergs, Will.i.ams, Martin Lawrences, George Lopezes, Will Ferrells, John Travoltas, Sacha Baron Cohens, Jackie Chans, Aziz Ansaris, Selena Gomezes e por aí vai. (Nada contra alguns desses atores, mas você entende onde quero chegar.) Isso, para mim, não é apenas um desrespeito à profissão do diretor de elenco; é um desrespeito ao próprio gênero animação, que acaba se tornando ainda mais um terreno puramente comercial e infantil ao ver da maioria das distribuidoras. Eu gostaria de viver em um mundo no qual todo filme de animação se prontificasse a concorrer a prêmios de Melhor Elenco — há um preconceito terrível contra atuações vocais em Hollywood —, mas o mundo em que vivemos é um no qual filmes como A Origem dos Guardiões só fazem isso pra chamar atenção para seu time de estrelas. E isso é sintomático de todo esse desrespeito.

Pior ainda: as companhias de dublagem brasileiras há muito aderiram ao padrão, nos forçando a engolir aqui e ali a performance dolorosa dos Luciano Hucks da vida (ver Enrolados). Sobre isso muita coisa já foi escrita, então só vou acrescentar que é uma oportunidade desperdiçada de elevar a tão elogiada indústria de dublagem brasileira a um patamar mais alto. Menos mau para os defensores do áudio original.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

I don't know what the hell a third act is

A minha vontade, sinceramente, era escrever um texto hiper-meta com camadas e camadas de neurose que se confundiriam no meu espectro criativo e naquele do meu objeto de discurso, completando e não completando uma estrutura intangível e esmagadora de bonecas russas que derramariam diante de mim todos os meus medos, alegrias, decepções e paixões cortadas prematuramente pela minha obrigação com o mundo ou alguém dele, mesmo sem eu ter jamais me conhecido completamente, e as bonecas surtiriam o mesmo efeito em todas as pessoas do mundo que se dispusessem a não voltar sua atenção aos meus oponentes conceituais — usar "conceitual" nas coisas é tão pedante, meu Deus — porque eu conheceria a fundo os medos, alegrias, decepções e paixões cortadas prematuramente de todo mundo mesmo eu sendo uma personificação do Pinguim Socialmente Deslocado que chega a um nível de auto-desprezo tão estupidamente grande que me faz capaz de produzir um, dois, vários textos mostrando a todos o quanto eu sou ridículo e patético e insignificante, mesmo eu sabendo que textos como esses me tornariam propenso às críticas daqueles que já me achassem pretensioso demais para o meu próprio bem — mas eu iria em frente, assim que conseguisse o apoio prático e logístico de que eu precisasse, e me submeteria às críticas e ao fato incontornável de não ser eu a colher os louros se tudo desse certo no final, porque eu seria um artista, por mais que isso me fizesse mal, e mesmo que isso me tornasse miserável eu poderia relativizar o meu sofrimento com um novo texto que expusesse a decepção a que todos os seres humanos se submetem todo dia. A minha vontade era essa porque só assim eu conseguiria escrever um texto-homenagem à altura de Charlie Kaufman.

Se você não sabe (e eu já aviso que abandonei completamente qualquer ambição de tornar esse texto estruturalmente interessante, porque qualquer tentativa que eu fizesse empalideceria diante da obra do meu objeto de discurso), Charlie Kaufman é um nova-iorquino baixinho e neurótico que evita a todo custo aparecer na televisão e não é particularmente afeito a entrevistas, apesar de estar imerso desde os anos 90 na indústria cinematográfica e ser o roteirista de obras-primas modernas como Adaptação e Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças.

Interpretado no cinema por Nicolas Cage.
Kaufman era um leitor ávido na infância, e se mudou do estado de Nova York para uma cidade média em Conneticut logo antes de inciar o colegial, onde teve sucesso como ator em peças escolares. Acabou indo fazer cinema na New York University, vindo a se tornar empregado no departamento de entregas de um jornal em Minneapolis antes de tornar um roteirista de TV contratado em Los Angeles no início dos anos 90. Finalmente, após resistir a vários "não"s de executivos, ele conseguiu que o seu roteiro Quero Ser John Malkovich fosse lido por Francis Ford Coppola, e o então genro deste, Spike Jonze, acabou dirigindo o filme, que se tornou um enorme sucesso de crítica e teve lucro suficiente para impulsionar as carreiras do diretor e de Kaufman.

Hoje, após ter sido indicado ao Oscar três vezes como roteirista e vencido uma, e gozando de maior prestígio entre a crítica do que qualquer outro de sua geração, Charlie Kaufman está trabalhando em uma animação em stop-motion financiada com doações, e se esforça para conseguir inciar a produção de seu mais novo projeto de longa, que está na geladeira há anos embora haja um roteiro pronto em circulação e um elenco disposto a começar a filmar.

Não é por qualquer razão que esse agora também diretor (vide seu incompreendido Sinédoque, Nova York) é considerado o roteirista mais brilhante em atividade. Jamais temendo em ir além das fórmulas e conseguindo sempre criar projetos que, apesar de em muito pessoais, são capazes de dialogar com as emoções de qualquer pessoa, Charlie Kaufman é um mindfucker nato, mas também um artista humano, que mistura Woody Allen e David Lynch em todos os seus projetos mas consegue estabelecer sua própria marca neles, e isso tudo apesar de nem sequer dirigir a grande maioria de seus filmes.

Mas esse feito é possível, talvez, porque o grande fio que une todos os filmes escritos por Kaufman é a sua temática, que trata sempre do funcionamento da mente, e de como as emoções interferem com esse funcionamento. Veja bem: em Quero Ser John Malkovich, Kaufman cria uma metáfora bizarra para a vontade que muitos sentem de ser outra pessoa, e utiliza a imagem de marionetes para representar o contraste entre a necessidade de estar no controle e o impulso natural de ser controlado presentes em todo ser humano. Em Adaptação, faz um estudo metalinguístico da obsessão por fórmulas da sociedade e do efeito dessa obsessão sobre o processo criativo, seja do artista ou de qualquer outra pessoa, além de apontar o vazio e a ilusão que se escondem nas paixões mais profundas. Em Brilho Eterno..., observa o amor, a sua formação, sua natureza e seus efeitos colaterais existentes diretamente na mente das pessoas. E em Sinédoque, NY, ele faz uma omelete com todas as mágoas e injustiças incontornáveis intrínsecos à existência humana a partir dos esforços criativos de um autor tão egocêntrico que só é capaz de consumir sua vida trabalhando em uma obra de arte sobre ele mesmo consumindo sua vida trabalhando em uma obra de arte sobre sua vida.

É necessária uma ousadia tão grande, e um impulso artístico tão nobre, para fazer filmes com temas com essa profundidade e permeá-los com labirintos de complexidade capaz de afugentar a imensa maioria das pessoas que veem filmes, que Kaufman mereceria méritos mesmo que seus roteiros não fossem lá muito bons — mas eles são, e não só porque têm o dom raro de quase entender realmente como é e funciona o ser humano, mas porque são, invariavelmente, tão metafísicos, metalinguísticos, conscientes de si mesmos, abrangentes, antiformulaicos e auto-depreciativos que, mesmo em seus momentos de menor grandeza, somos obrigados a acreditar que tudo o que está neles, de bom ou de ruim, é inteiramente intencional e tem um propósito artístico que não somos capazes de enxergar — como se, lá de sua casa em Pasadena, Kaufman estivesse nos vendo, rindo e dizendo "Vocês não entendem nada. Jamais entenderão".

Um projeto tão independente que foi financiado com doações.
Hoje, eu me arrependo de ter escrito uma mini-resenha para Brilho Eterno..., porque os filmes escritos por Kaufman, todos os que vi até agora (4 de 6, ou "os essenciais"), estão acima da avaliação comum; não estão sujeitos ao mesmo tipo de provação técnica que é dada a outros filmes de alto nível como, digamos, A Rede Social. Não tenho nenhuma reserva em relação ao filme de David Fincher (que considero um dos mais memoráveis dos últimos anos), mas é completamente possível avaliá-lo como um trabalho "normal", que não se preocupa demais em fugir radicalmente de padrões ou transmitir sua mensagem enquanto faz pouco caso das expectativas da audiência, como é de praxe nas produções escritas por Kaufman. Como se pode avaliar um filme como Adaptação de forma normal, quando o próprio filme afirma, explicitamente, que tudo o que geralmente procuramos observar e gostar/não gostar em produções hollywoodianas é besteira pura? Como julgar o progresso da trama de Sinédoque, Nova York se o objetivo do filme é fazer um retrato quase surrealista da angústia? Filmes como os de Kaufman desafiam o expectador a deixar todas as suas pré-concepções na porta da sala de projeção; muitas vezes, eles requerem que os vejamos múltiplas vezes para compreender tudo o que querem nos dizer do alto de sua ambição quase épica.

Kaufman, em anos recentes, foi responsável por elevar o roteirista a uma posição de "autor" do filme que, muitas vezes, sobrepuja a do próprio diretor; se é certo que filmes como Quero Ser John Malkovich e Brilho Eterno... perderiam grande parte de seu impacto sem a condução audaciosa de Spike Jonze ou Michel Gondry, eles serão lembrados na história como êxitos de Kaufman; hoje, ele é visto como a principal mente criativa por trás de todos os seus projetos (menos Confissões de Uma Mente Perigosa, cujo roteiro foi substancialmente atropelado pelo diretor George Clooney) e se espera dele, ansiosamente, que surja logo outro brain teaser para nos dar iluminação em meio ao marasmo criativo de Hollywood (não que não hajam cineastas ambiciosos e criativos em atividade, é só que não há suficientes). Por isso, todo roteirista deveria ser ainda mais grato a ele — "ainda mais" porque Kaufman decerto forneceu inspiração para muitos, muitos dos que vieram depois dele.

Ontem, 19 de novembro de 2012, foi o aniversário de 54 anos de Charlie Kaufman. (Foi também o aniversário de Jodie Foster, Allison Janney e Meg Ryan, diga-se. Que dia.) Eu espero que ele continue por muitos anos de vida a nos tocar e fazer pensar com seus brilhantes trabalhos — só foram quatro "essenciais" até agora, o que não é nem de longe suficiente para compor uma grande filmografia, e ao mesmo tempo mostra a capacidade de Kaufman de dizer muito com pouco. Agora que ele também dirige seus projetos, então, pode-se esperar que sua visão artística seja ainda mais realizada em seus filmes. Por essas e outras, espero ansiosamente que alguém se disponha logo a financiar Frank or Francis, o tal projeto na geladeira — e o fato de ele ser anunciado como um musical farsesco satirizando a temporada de premiações e os críticos de cinema virtuais torna minhas expectativas ainda maiores. Como já se provou, um ótimo conceito + Charlie Kaufman é garantia quase infalível de uma obra-prima.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Resenha 12: "Toda Forma de Amor", de Mike Mills

Ewan McGregor, Mélanie Laurent e Cosmo em Toda Forma de Amor. © Focus Filmes.
Beginners, EUA, 2010. Romance/Dramédia. 105 minutos. Direção: Mike Mills. Escrito por: Mike Mills. Elenco: Ewan McGregor, Christopher Plummer, Mélanie Laurent, Goran Visnjic, Kai Lennox, Mary Page Keller, Keegan Boos, China Shavers, Cosmo. Classificação indicativa: 12 anos.

Toda Forma de Amor é uma gema. Não consigo pensar em um termo melhor para resumir a complexa simplicidade desse trabalho semibiográfico de Mike Mills, que lida com o amor em todas as suas formas com singeleza e originalidade estética ao mesmo tempo em que dá a seus atores um veículo e tanto para seus talentos — tanto é que o trabalho delicado de Christopher Plummer deu ao filme a sua única indicação (e vitória) no Oscar desse ano.

À época do seu lançamento unicamente em DVD no Brasil, Toda Forma de Amor era marquetado como um olhar sobre o "amor moderno", e, realmente, é difícil imaginar um filme mais apropriado, tanto estética quanto narrativamente, para o rótulo. Seguindo três momentos distintos da vida do protagonista Oliver — um, a sua infância nos anos 70, e os outros dois no passado recente —, a história narra o progresso do relacionamento entre ele e Anna, uma atriz francesa de passagem pela cidade onde ele mora, dois meses após a morte de seu pai Hal, e ainda se ocupa de recontar os últimos anos de vida deste ao lado do filho e também de seu jovem namorado — Hal é gay, mas só criou forças para sair do armário após a morte de sua esposa, e a essa altura ele já passava dos 70.

Não vale a pena dar mais detalhes sobre o enredo porque não há, exatamente, um enredo. Nós vemos Oliver e Anna descobrindo mais um sobre o outro em confissões lacrimosas sobre seus passados familiares, e assim se apaixonando; vemos Hal conseguindo convencer a todos de que está feliz apesar da descoberta de um câncer, enquanto Oliver observa desconfiado; vemos a mãe de Oliver tocando uma rotina que procura acrescer de felicidade para consolar o filho pela ausência de seu pai. Em todas essas tramas colineares, a dinâmica entre os personagens é assombrosa; em nenhum momento nós pensamos em nos lembrar de que aquelas pessoas não existem realmente. O relacionamento entre Oliver e Anna é por certo um dos mais verossímeis e orgânicos dos últimos anos no cinema, e isso se deve muito à química espetacular entre Ewan McGregor e Mélanie Laurent (mais sobre o elenco em cinco minutos).

E essa verossimilhança enriquece tematicamente Toda Forma de Amor, já que a proposta do filme é, primeiramente, retratar um relacionamento moderno e estudá-lo silenciosamente através de um panorama dos outros relacionamentos importantes da vida do protagonista. Dirigindo seu segundo roteiro de longa, Mills dá ao filme uma qualidade estética única (e eficiente para a história) ao usar fotos de arquivo e o voiceover de McGregor para estabelecer épocas e personagens. Ressaltando aspectos específicos de cada momento histórico de que fala — o presidente, a moda, a noção de beleza —, o filme traça um paralelo humano entre o presente e o passado, o que acrescenta mais um alicerce à ponte construída entre os diversos momentos da vida de Oliver. Quando se soma isso à astúcia e ao realismo da narrativa no seu belo painel dos amores do século 21, o resultado é uma produção verdadeiramente "moderna", tanto em sua temática quanto em sua abordagem.

Por trás dessa camada de chantily presente na fofura persistente (e bem-vinda) de seus protagonistas e do cãozinho Arthur ("interpretado" pelo jack russel Cosmo, que rivalizou com o Uggie de O Artista como cachorro-revelação de 2011), porém, esconde-se um profundo apuro psicológico por parte do realizador. O filme é, em segundo plano, um estudo de personagem de Oliver, e isso fica evidente na forma como as suas tramas são estruturadas — a narração sincera e nem um pouco expositória deste parece sugerir que ele enxerga o início do relacionamento com Anna com mais nostalgia e o falecimento do pai com relativa frieza, e é também acertada a decisão de não empregar o recurso durante as cenas de Oliver com a mãe, já que estas são momentos íntimos do protagonista, de que ele parece apenas se lembrar em segredo. O insight fornecido pelas "falas" de Arthur (vistas através de legendas) é providencial, mantendo-se condizente com a possível mentalidade de um cachorro e ao mesmo tempo servindo como espelho para os pensamentos do próprio Oliver (dizem, é bom lembrar, que você é o que o seu cachorro é).

O que me leva, é claro, ao elenco. Se o texto do filme explora com delicadeza e irretocável sinceridade os romances contemporâneos e seus desdobramentos, é preciso dar crédito aos atores por criarem personagens que surgem tão realistas a ponto de parecerem, de serem pessoas reais — é fácil acreditar, por exemplo, que Mary Page Keller e Keegan Boos são realmente mãe e filho, ou que Goran Visnjic está mesmo perdido de amores por Christopher Plummer. McGregor é confiável como sempre, expressando em seus olhares e expressões tudo aquilo que Oliver refreia em suas palavras, e o "apoio" de Laurent é formidável; sua atuação é tão rica e honesta que aparenta não ser, já que tudo o que vemos na tela é uma pessoa real e não uma atriz (OK, a personagem dela é uma atriz, mas você entende o que eu quero dizer). O elenco menor é competente, transmitindo a sensação de que o filme é povoado por pessoas sendo elas mesmas. Quanto a Plummer, só posso dizer que ele mereceu ter sido aplaudido de pé no Oscar.

O filme, na verdade, merecia mais indicações ao prêmio: o roteiro perspicaz de Mike Mills e a edição estilosa de Olivier Bugge Coutté eram também merecedores de atenção. Bem-sucedido no Oscar ou não, porém, Toda Forma de Amor merece ser visto. É um daqueles raros filmes em que a "suspensão da descrença" do espectador não é testada, não sendo sequer, na verdade, necessária: o grande mérito de Mills e seu elenco, aqui, é que tudo o que vemos na tela parece real em alguma medida. Até mesmo um cachorro falante.


Classificação final:
Oscar: Melhor Ator Coadjuvante (Christopher Plummer)

sábado, 17 de novembro de 2012

Resenha 11: "Um Homem Sério", de Joel e Ethan Coen

Michael Stuhlbarg e Sari Lennick em Um Homem Sério. © Focus Filmes.
A Serious Man, EUA, 2009. Dramédia. 106 minutos. Direção: Joel e Ethan Coen. Escrito por: Joel e Ethan Coen. Elenco: Michael Stuhlbarg, Richard Kind, Fred Melamed, Sari Lennick, Aaron Wolff, Jessica McManus, Peter Breitmayer, Amy Landecker, David Kang, Adam Arkin. Classificação indicativa: 16 anos.

(Ok, esse filme não era recomendado para menores de 16 anos. Eu aciono o Alerta de Semi-Ilicitude da Resenha ou A.S.I.R.)

Os irmãos Coen são parte de uma longa lista de auteurs contemporâneos cujos filmes ainda são quase inexplorados pelo que vos fala. O primeiro contato que tive com a obra dos dois foi, previsivelmente, com Bravura Indômita, ironicamente o filme mais "normal" deles segundo a crítica. O segundo foi com algumas cenas soltas de Queime Depois de Ler, e já aí era possível verificar a viés dos dois para o humor ácido e observacional. Agora, com este Um Homem Sério, lançado em 2010 no Brasil, eu provavelmente tive a primeira experiência genuinamente "coeniana" de, espero, várias outras. (Fargo e Arizona Nunca Mais já estão na minha watchlist.)

Um dos trabalhos mais pessoais dos Coen, me parece, esse filme tem seu primeiro — e talvez mais importante — mérito narrativo no fato de conseguir integrar a cultura judaica perfeitamente à história sem torná-la incompreensível para aqueles não familiares com ela. Até mesmo vocábulos hebraicos como dybbuk e get são completamente inteligíveis graças aos contextos criados. Além disso, o desajeito dos goyim (não-judeus) frente aos costumes e palavras do protagonista e seus correligionários é uma fonte confiável de humor durante toda a produção.

Na verdade, é admirável a forma como os diretores/roteiristas conseguem extrair comédia de uma situação tão desesperadora quanto aquela em que colocam Larry Gopnik, o titular homem sério: pressionado pela esposa/inquilina a realizar um divórcio cerimonial para que ela possa se casar com outro homem, o qual, apesar de responsável pela tragédia familiar, insiste em manter uma postura cordial e amigável com ele, o protagonista é forçado a aguentar ainda a inércia de seu irmão Arthur, que dorme no sofá da sala e passa todo o seu tempo trabalhando em um tal de "mapa da probabilidade do universo" que usa para jogar e fazer apostas; além disso, ele é informado de que um anônimo tem escrito cartas negativas a seu respeito para a diretoria da escola onde é professor, e um aluno lhe oferece uma grande soma em dinheiro para que altere uma nota baixa.

Empregando um ritmo deliberadamente lento que serve para mostrar a insatisfação crescente do protagonista com sua vida, os Coen usam o seu humor peculiar para acentuar a repetitividade asfixiante da rotina dos Gopnik, desde o tio que passa horas a fio no banheiro, sempre a anunciar que "vou sair em um minuto", à filha mais velha que não passa um dia sem explicar que pretende ir a uma casa noturna hoje à noite. Mas, se o humor, as cenas iniciais e a ótima recriação de época servem mais para situar os personagens do filme, o foco principal dos realizadores é mesmo a sua ambiciosa temática, que lida com o homem e a religião, a dúvida sobre a existência e as motivações de Deus, e a necessidade humana de respostas que nem sempre chegam. Transformando Larry num verdadeiro Jó ao longo do filme, e acompanhando a sua indignação crescente com os obstáculos que Hashem (a.k.a. Deus) põe em seu caminho enquanto ele tenta se manter "um homem sério" (e é impressionante a forma como Michael Stuhlbarg dá vida ao personagem, mantendo-o sempre verossímil, e não caricato, em sua angústia), o filme lança mão de antipatias sem justificativa, mortes repentinas e rabinos inúteis para convencer o espectador de que Larry está correto em seu desespero crescente, algo de que nós não duvidamos nem por um segundo. E diz muito a decepção de Larry por estar naquela situação, aparentemente, por não ter feito nada (algo que fica bastante explícito no diálogo entre ele e o representante de um tal Clube de Discos Columbian).

É curiosa, ainda, a decisão dos Coen de, a partir de certo momento, dividir o filme em três partes lineares correspondentes aos rabinos que Larry visita, já que cada uma dessas partes acaba funcionando como uma parábola em função do conjunto. (Na verdade, em dois momentos do filme, um deles logo nos minutos inciais, nós testemunhamos parábolas sem qualquer relação com o resto da história que aumentam a confusão do expectador para equipará-lo a Larry, e, paradoxalmente, reforçam a ideia central do filme de que algumas perguntas não podem ser respondidas, em uma metáfora metalinguística brilhante de que só me dei conta agora.)

A ambição temática de Um Homem Sério tem seu impacto sobre o espectador aumentado graças a competência narrativa do filme, que, além de contar com um elenco de atores pouco afamados que parecem ter nascido para os papéis — uma decisão louvável dos irmãos, já que eles poderiam conseguir as estrelas que quisessem para quaisquer de seus projetos —, é capaz de envolver o espectador emocionalmente graças à história paralela do desajeitado filho de Larry, que serve quase como um espelho da trajetória do protagonista — e pode-se até dizer que Danny e Sy, o novo futuro marido da mulher de Larry, servem como espécies de id e superego, respectivamente, para o ego do professor.

Trazendo, em seus minutos finais, uma conveniente contradição de ideias ao afirmar, em momentos distintos, que a religião pode ser uma tolice insalubre (vide a aflição de Danny em seu bar mitzvah) e que a justiça divina talvez paire realmente sobre nós ("talvez" porque o final, na verdade, é meio em aberto), Um Homem Sério é um pequeno grande filme, para todos os envolvidos e também para o público que lhe souber dar valor; uma produção que não se furta em propor discussões e questionar diversos valores da sociedade sem se preocupar muito em satisfazer as necessidades de compreensão do espectador. E, apenas por isso, é um filme que merece ser visto por qualquer pessoa que busque uma história instigante e provocadora de pensamento, ainda que nem tanto por aqueles que buscam apenas entretenimento fácil.


Classificação final:
Oscar: Indicado a Melhor Filme e Melhor Roteiro Original (Joel e Ethan Coen)